terapia

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Dias se passaram enquanto eu repetia aqueles últimos momentos dele de novo e de novo e de novo.
Não havia nada mais em minha mente se não aquela sensação de perda.
Ele se foi.
Gritei seu nome por dias.
Chamei por dias.
Ele se foi.
Não há mais nada.

Perdi-me de mim.
Me perdi por inteiro.
Não sei mais de nada.
Não lembro mais de nada.
Não sinto maos nada.
Apenas existo  e nada mais.
O escuro não importa, o tempo, a fuga. Nada importa.
Eu... quem sou eu?


Ninguém.

Nada.



Abrir os olhos certamente foi a parte mais ruim. Lembro da luz forte e da sensação quente na minha pele. Lembro dos vultos, de vozes. Lembro de voltar  dormir.


Me perdi dentro de mim mesmo por meses, enquanto os médicos e os parentes tentavam me trazer de volta. Aos poucos os estímulos foram voltando e comecei a dar pequenos sinais de que ainda existia vida.

Voltar a falar foi a parte mais difícil e até agora ainda não me recordo dos familiares e nem dos amigos. Estou criando novas memórias com eles, laços. Mas ainda são completos estranhos.

Minha mãe está muito feliz ela foi a única que permaneceu esperançosa por eu ainda estar vivo nesse tempo. Quanto anos, esse foi o período que eu estive em cativeiro. Quatro anos ouvindo  voz dele. Não lembro de quem.

A policial Murilio é a encarregada formei caso, ela esteve a minha procura todo esse tempo e agora continua a sua busca pelo meu raptor. Ando conversando muito com psicólogos  e psiquiatras. Estão estudando o meu caso, dizem que o meu caso é bastante complexo e que talvez eu não retome a minha vida de antes. Considerando que eu nem lembro como era, me sinto feliz em construir algo novo.

- Você vem progredindo bastante Kevin. - Disse o doutor Tarso sentado na poltrona a minha frente. - Acho que já posso te liberar de algumas medicações.

Fico quieto, eu só falo oque for necessário geralmente. Tarso é meu psiquiatra, é muito bom e me ajudou bastante a me reconectar com minha humanidade.

Ele ajeita seu óculos de grau.

- Você quer me dizer algo?

Olho pra ele, ele sempre faz essa pergunta e fica esperando, aguardando seja lá oque for que quer ouvir.

Ele é um homenzinho careca de olhos azuis, na casa dos sessenta. Não deve medir mais que um e setenta. Seu jaleco branco sempre me parece feio, apesar de ser daqueles diogo de jaleco caros que as pessoas costumam mandar fazer unicamente para si.

- Nunca gostei das pílulas azuis. - Falei com certa frieza. A consulta se encerrava ali.

Agora moro numa casa que não é minha, com uma família que eu não conheço. Mãe, pai, um cão, um gato e uma avó, que me amam maos do que eu sou capaz de retribuir. Sinto a tristeza deles pela falta de calor na nossa relação, mas eles entendem que vai demorar até se tornar fácil.

Vai fazer dez meses, quase um ano, desde que me encontraram numa praia no norte do país, eu fui raptado no sul. De lá pra cá nada no caso foi ilucidado, ninguém sabe aonde era o cativeiro e alguns até duvidam se realmente era como meus flechas de memória me permitiu contar. Não há pistas sobre o raptor, não há testemunhas. Absolutamente nada se sabe de nada.

Eu faço oque me dizem. Conto oque me lembro, faco terapia, converso com vários profissionais diferentes e logo vou começar alguns cursos pra poder voltar a socializar com outras pessoas, minha mãe quem teve a ideia.

Os sonhos com a voz dele são corriqueiro, o escuro e aquele alegre timbre que me faz sentir tanta paz. Eu sei que ele foi real. Preciso me esforçar mais, preciso lembrar.



****************

A primeira parte da história está pronta. Uma nova fase se inicia, está era a introdução. Espero que gostem de como a coisa vai de desenrolar daqui adiante.

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⏰ Última atualização: Dec 05, 2020 ⏰

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