Kevin.
Kevin.
Kevin.
Kevin.Eu repito pra mim mesmo o tempo todo, não posso esquecer. Já não consigo lembrar de algumas coisas, como o nome do meu cachorro, ou como fiz a decoração do meu apartamento. Esqueci de como é sentir o valor do sol e percebo que quando penso nas pessoas, vem a minha mente imagens irregulares, os corpos são normais, mas os rostos...
Tenho medo de esquecer meu nome.Parei de contar o tempo quando fez um mês e meio, perdi completamente a noção de quantas vezes a escotilha fora aberta e depois de muito tentar desisti de retomar a contagem. Isso tem muito tempo, sou incapaz de dizer quanto. Klint acha que estamos aqui a uns seis meses talvez, eu nem se quisesse saberia opinar.
Klint continua falando comigo, nossos assuntos perderam o sentido a algum tempo. Conversamos sobre qualquer coisa, o que importa é não fazer silêncio. Não suporto mais o silêncio. Quando Klint dorme fico deitado sobre o colchonete batendo a unha no piso somente para ouvir o barulhinho do impacto. Sinto que estou enlouquecendo. Acho que vou morrer aqui.
Dias atras algo aconteceu e me assustou muito, o barulhinho da lampada soou fraco, como de costume, ao ouvi-lo me levantei as pressas e fiquei de frente ao vidro. Klint deveria estar fazendo o mesmo e imagino seu habitual sorriso parado a minha frente esperando por aquele breve instante no qual poderiamos ter um vislumbre um do outro. Esse se tornou o melhor momento do meu dia, o momento eu que eu tinha a certeza de que ele era real, isso me faz sentir que também sou real. Já cheguei aduvidar, depois de tanto tempo no escuro você começa a ter crises existenciais sérias.
O fleshe aconteceu, foi tão rápido como sempre acontece, mas desta vez não havia ninguém.
Imagine-se em um mundo escuro.
Imagine-se sozinho nele.
Você não tem familia, nem amigos, nem nada alem uma voz, que talvez possa ser coisa da sua cabeça, mas você não quer acreditar que seja. A voz precisa ser real.
Você aprendeu a amar a voz, talvez porque não exista nada além dela para você amar, ela é a unica coisa que te mantem, sem exageiros, vivo.
De repente ela simplesmente desaparece.Eu o chamei. Gritei pelo seu nome, bati no vidro tantas vezes que senti o sangue vazando.
Klint não estava lá.
Eu enlouqueci? Em algum momento ele foi real?
Depois de muito gritar desabei em prantos e adormeci, acordei com a voz dele me chamando. Nunca senti tanta euforia na minha vida. Perguntei aonde ele estava, o que tinha acontecido, por que não apareceu no momento do flesh. Ele não soube dizer, agora me pergunto se realmente existe um Klint.
Ele está do outro lado do vidro, imagino eu, sentado. Suas palavras são como sempre alegres e positivas. Talvez eu tenha criado um amigo imaginario para não me sentir sozinho, ouvi dizer uma vez que o cerebro faz essas coisas para que possamos sobreviver a certas situações as vezes.
- Klint? - O chamo interrompendo sua história sobre o cachorro dos vizinhos que costumavam escapaz para estragar as plantas da sua mãe.
- Oi? - Sua voz é carregada de serenidade.
- Você é real? Digo, você realmente está aqui?
Tenho medo da resposta. Ouço o ar ser liberado quando ele sorri.
- Claro que eu sou real Kevin.
Ainda não estou convencido disso.
- Tenho medo, Klint. - Sinto o nó na garganta. - Medo de estar louco, de ter criado você em minha mente. Não quero pensar nisso, mas acho que estou me perdendo. Já esqueci a maioria dos rostos que conheci e repito constantemente meu nome para não esquecer de mim mesmo. Não sei se aguentaria se você não for real.
- Eu estou aqui kevin. Queria que esse maldito vidro não existisse pra poder tocar você, para tirar essas incertezas de sua mente. Eu sei como se sente, também duvido as vezes se você é real. Mas fico feliz em saber sobre esse medo seu, isso prova que existe uma conciencia aí e amigos imaginarios não costumam ter medo dessas coisas. Eu não sei se o que eu disse te acalmou ou se minha palavra é osuficiente para te fazer acreditar, mas repito: Eu existo e estou aqui com você.
Suas palavras não foram o suficientes, ainda tenho duvidas, contudo prefiro não insitir nisso por agora.
Algum tempo se passou, seria impossivel dizer quanto. Nesse periodo falamos sobre muitas outras coisas, acho que ele não está perdendo as lembranças como eu. Se ele relmente existe certamente eu desistirei antes dele.
- Eu estudei na Benjamin Hills. - Ele diz.
- Aquela dos assassinatos?
Benjamin Hills já era famosa por ser uma escola inovadora em varios sentidos, mas foram os assassinatos ocorridos lá, que tornou-a conhecida mundialmente. Lembro de ter acompanhado pelos jornais a repercussão do caso.
- Sim, eu lembro do Alex, ogaroto que matou os caras. Agente nunca chegou a conversar, mas ele parecia ser um cara legal. Ele e o Gregory foram amigos por um tempo, mas tudo desandou e aí aconteceu tudo aquilo. Dizem que ele foi um heroi, um lutador. - Sua voz estava empolgada. - Eu adimiro o Alex, sabe? Ele tinha tudo pra morrer naquele dia, mas lutou e sobrevivel.
Me lembrei da história depois do seu breve relato.
Lembro que Alex foi absolvido dasacusações de assassinato, pois as pessoas que ele matou naquela noite estavam tentando matar ele. Eram um grupo de adolescentes psicopatas que mexeram com o cara errado e pagaram caro por isso.Eu queria ser tão forte e guerreiro como Alex foi, mas não sou e sinto que vou morrer aqui.
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Vidro
Mystery / Thrillerquando Kevin desperta percebe que foi raptado e aprisionado em um local cuja a finalidade é testar sua sanidade, ele embarca em um jogo perigoso pra tentar escapar de lá. mas todas as suas tentativas acabam falhando e o desespero aumenta gradativame...