COMO UM PORCO PARA O ABATE

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                         A aldeia de dentro parecia uma cidade. Ruelas estreitas de pedra marçall na qual pessoas caminhavam para cá e para lá, empurrando seus carrinhos com comidas coloridas, chás, tecidos ou bosta de animal, que vendiam, gritando seus preços em línguas diferentes enquanto que, ao fundo, o enorme palácio de Portão Branco se destacava na paisagem repleta de chaminés e fumaças, tão grande quanto uma montanha nevada.

                Era por ele que precisavam passar todos os estrangeiros que tentassem chegar pelo mar Atírio de forma que Portão Branco lhes permitia ou negava a entrada em Aghadan. Felps já tinha escutado muitas dessas historias. Contavam que, os que não podiam entrar, eram colocados em comboios com destino ás reservas no norte, ou para as terras da Imperatriz, mais ao sul, de modo que ainda não conseguira chegar a conclusão se havia tido sorte ou azar por estar ali.

               Mesmo assim, entrou guiado por Dom Marion Macnamara, filho mais jovem da família guardiã do lugar. E ainda que este chicoteasse os animais como um maluco, para vencer a distância desde as portas até Portão Branco propriamente dito, gastaram quase um dia inteiro de viagem, de modo que quando finalmente alcançaram o pátio, Felps estava morrendo de fome, dolorido e exausto.

                      Foi Lolá quem abriu a portinhola da carruagem de carga e colocou o rosto pela abertura.

                   –Vem, estamos em casa. – Disse e estendeu-lhe seu gancho de prata.–Vamos, vão te dar o que comer.

                    Mas não era bem verdade, porque as pessoas que receberam Felps, eram mulheres velhas e gorduchas, e primeiro o levaram através de portinhas e grandes passagens, corredores e salões e finalmente o colocaram num aposento tão branco que ardia os olhos.

                   Lá, elas o despiram e o mergulharam em uma enorme bacia de latão com água quente. Elas os esfregaram em todos os lugares, usando suas escovas e esponjas e em silêncio massagearam sua cabeça com sabão rosado.

                  Muito quietas, elas o secaram e cuidaram de seus ferimentos, e os cabelos de Felps foram escovados e trançados com flores e elas o fizeram usar uma camisola simples de tecido cru e somente depois de tudo isso as mulheres o tiraram dali, e o levaram pelo corredor iluminado de archotes, até um quarto pequeno, onde havia uma cama estreita e uma mesa de comidas.

                    Quis agradecer, mas elas se foram fechando a porta,antes que pudesse fazê-lo. Era estranho aquilo. Se sentia como a oferenda de alguém. Como um porco sendo preparado para o abate, mas estava mesmo faminto,e por isso se sentou no banco de três pés e olhou para as comidas afim de decidir por onde começar.

                   Tudo ali havia sido pensado para ele, de modo que não havia carne, mas bolos e frutas e folhas e era tudo tão colorido e perfumado que seu estômago chacoalhava rugindo como uma avalanche.

                   Tudo ali havia sido pensado para ele, de modo que não havia carne, mas bolos e frutas e folhas e era tudo tão colorido e perfumado que seu estômago chacoalhava rugindo como uma avalanche

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                  A princípio mergulhou um dedo numa tigela de mel que estava mais perto e com um sorriso incontrolável o provou. Depois disso não conseguiu mais parar de sorrir e comer, até que começou a sentir o peso do sono obrigando-o a piscar lentamente. Só quando quase todas as terrinas estavam vazias, Felps empurrou para longe uma terrina de batatas assadas e se mudou da banqueta para a cama, onde caiu exausto e adormeceu rápido, num sono intranquilo. Sonhou com as chamas, o telhado de capim brilhando vermelho na noite, os darfs sibilando em torno da casa, Marion Macnamara mordendo-lhe o ombro. Seus olhos desbotados, avermelhados de sangue.

                    Felps arregalou os olhos na penumbra, o ar entrando e saindo dele de maneira brusca, o ombro latejando violentamente.

                       Olhou em volta para se certificar de que tudo não passara de um pesadelo,e quando o fez, percebeu que havia a silhueta de alguém na banqueta de três pés. E era uma montanha imensa que cheirava a grama e suor. Pensou em gritar, mas conhecia aquele cheiro.

                        Recortado contra a luz do archote que queimava num suporte na parede oposta, Ictar, com seu nariz batatudo, afagava as tranças da própria barba em silêncio. De modo que Felps fechou os olhos depressa para fingir que dormia. Ora, então ele era mesmo uma oferenda. Oh que os deuses o ajudassem. Como poderia escapar daquele lugar?

                           Ouviu o homem se levantar de onde estava e caminhar pelo aposento por um tempo. Em seguida, seus passos se aproximaram da cama e ele parou ali por uns instantes. Felps estremeceu de medo quando sentiu-o tocar a trança vermelha do seu cabelo.

                        –Não precisa. – Disse o outro num sussurro estranho.

                      Felps bem que tentou se acalmar, respirando profundamente, mas era difícil, então abriu os olhos e viu que o homem sorria-lhe no pequeno espaço que sobrava entre as tranças de sua barba e o bigode volumoso.

                  –Chame "Ictar" se precisar. – Disse e então largou por fim a trança de Felps e se foi. Depois disso o rapaz pôde tornar a adormecer, mais pesadamente desta vez.


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 Felps está Finalmente num lugar seguro ou acaba de entrar numa armadilha?

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