Duas vezes por dia

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                      E Gong voltava sempre, para esvaziar o penico, trazer sopa, pão, chás, e depois levar de volta sua bandeja de madeira carcomida repleta de coisas intocadas.

                      E era fácil perder a noção dos dias e horas porque no pequeno cômodo de porta trancada era sempre noite e estava sempre muito escuro,exceto quando Gong acendia o fogo ou trazia uma vela.

                       No mundo livre o inverno devia ter começado pra valer, porque certa vez o taberneiro lhe trouxe mais mantas e tinha os cabelos cobertos de neve quando entrou se chacoalhando como um pássaro ferido, a asa estremecendo solitária ás suas costas.

                      Naquela ocasião deixou comida ao lado da cama e encarou Felps por alguns segundos a mais do que de costume, por fim colocou a mão em sua testa carinhosamente.

                    –Pela Sícy, garoto. – Suspirou com tristeza, mas Felps não lhe respondeu. Deitado, tremendo em sua cama encaroçada, não achava que teria forças para gastar em outra conversa inútil, e estava cansado de dizer coisas somente para ouvir respostas como: "Mac é um bom homem" ou "Escute o Mac" e "Mac está fazendo isso para o seu bem" Gorgoncor saiu com pressa daquela vez, quem sabe pela falta de conversa. Mas quando voltou, trazia uma mulher com ele.

                      Felps nunca a tinha visto antes, mas a jovem senhora pareceu-lhe familiar de alguma forma, com seu vestido de lã marrom e seus cabelos grisalhos, encaracolados sobre o decote farto.

                Era gorducha e tinha o rosto oleoso, olhos aquosos de um estranho tom alaranjado como os dos darfs e mostrou somente uma presa alongada quando sorriu-lhe com carinho dizendo:

               –Você tem que comer, criança. – Ela se abaixou perto da cama para ficar da altura de Felps.

              –Você é Siri?

              –Sim, eu sou Siri.

                 Felps agarrou-a pelo braço, não porque quisesse machucá-la, mas porque o desespero o impelia.

                –Você pode me ajudar, Siri?– Implorou – Me ajudar a sair? Por favor, pode mandar uma mensagem para Ictar?

                  Os olhos cor de laranja de Siri piscaram cheios de simpatia. Por trás dela, dava para ver Gorgoncor em pé, um cotovelo apoiado sobre amão, a outra por sua vez sustentava o queixo.

                –Ah minha criança... – Respondeu Siri, o olhar marejado. Apiedada, ela se voltou para o marido – Não podemos continuar com isso...Olhe para ele, magrinho, está fraco ou até doente...

                   –É...Eu vou chamar ele. – Falou Gorgoncor como quem concorda e saiu roçando pela porta, ignorando os gritos de Felps para que não trouxessem Marion.

                  –Mac está fazendo isso para o seu bem, querido... – Falou Siri e se tivesse forças Felps a teria esbofeteado.

Borboleta (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora