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-Nossa, eu vou me atrasar, vou me atrasar muito!!! -digo enquanto calço o único par de sapatos decentes que tenho.

-Vai com calma cabeça de vento, ou então vai acabar...

E olha lá, estou ao chão.

-Eu avisei. -disse o meu grilo falante.

-Au... -resmungo colocando a mão na cabeça, sentindo uma pequena dor e um galo sendo formado- Eu estou muito ferrada... -olhando o relógio.

-Vem, eu te dou uma carona. -me ajudando a levantar.

   Com a ajuda do Theo, meu grilo falante, me recomponho e sigo até a porta do meu pequeno apartamento. Você deve estar se perguntando: "Quem é essa que está ai, falando e falando, sem ao menos se apresentar?" Bom, eu lhe respondo: Sou Aysla Martins, tenho 18 anos, moro na grande São Paulo, Brasil. Tenho 1,69 de altura, cabelos castanhos e olhos da mesma cor. Meu pai me abandonou quando eu tinha apenas sete anos de idade, e sete anos mais tarde cometeu suicídio, sim, faz apenas quatro anos que tudo isso aconteceu.
   Eu não sei bem explicar, me sinto indiferente. Sabe, eu e meu pai não tínhamos uma relação muito boa, então sua morte para mim não surte muito efeito, porém, para a Letícia, minha irmã mais nova, é complicado. Sou do interior do agreste pernambucano, de uma cidade chamada Toritama, vim para São Paulo em busca dos meus sonhos. Eu sempre sonhei em trabalhar com a fotografia e a escrita, para isso comecei um curso profissionalizante de fotografia, e estou na metade da faculdade de letras pela UMSF.
    Antes de vir para onde moro atualmente, eu dividia um quarto com mais duas garotas em uma pensão feminina na zona leste de São Paulo. Era mais perto da faculdade? Sim. Eu tinha acesso a água, luz e internet? Sim. Eu tinha móveis e uma cama disponível para mim? Sim. "Por que saiu de lá então?" Vocês me perguntam, e eu respondo: A convivência era difícil.
    Não somente com as meninas do meu quarto, como com as meninas da casa inteira. Existe três tipos de pessoas: as que você ama; as que você tolera; as que você quer arrastar a cara no asfalto toda hora que ver a criatura. Eu estava no meio das duas últimas, lá na pensão. Para minha sanidade mental, optei por morar sozinha.
   Meu cantinho não é tão grande, mas é o suficiente para minha felicidade. Tem um vão com uma janela grande que dá vista para a rua, que dividi entre sala e quarto, uma porta que dava acesso ao banheiro, um balcão fazia a divisão do quarto/sala com a cozinha, e uma porta que dava acesso a um quartinho que fiz de lavanderia.
Eu praticamente não comprei móveis, fiz os poucos que tenho com caixote de madeira, desses que a gente encontra em feiras livres e nos mercados. O que deixou meu cantinho com ar de rústico sabe? Me sinto orgulhosa.
   O Theo não é meu namorado, ele é meu grilo falante, meio que meu anjo da guarda também. Eu conheci ele, em uma das idas aos mercados atrás de caixotes. Eu não sabia, mas aquele mercado onde estava na maior humildade conversando com o gerente, era do seu pai. Sim, o Theo é riquíssimo, herdeiro de uma das maiores companhias de supermercados do Brasil. Ele tem 20 anos, e é um pecado em forma de homem. No começo, ele estava me paquerando, investindo pesado e depois de meses, eu acabei sedendo. Lembro-me como se fosse ontem...

Flashback (on)

   Estava concentrada tentando terminar a resenha de um artigo para a faculdade, o Theo estava comigo, tagalerando sobre como ele era lindo, e sobre não entender o motivo pelo qual eu resistia a seu charme. Fazia meses que ele estava tentando algo comigo, desde o momento em que me viu conversando com o Caio, gerente do mercado do seu pai, para pegar os caixotes que tinham sido esvaziados pela manhã. E juro pela minha vida que eu não estava fazendo doce, eu só sempre acreditei que beijar o Theo ia ser como se estivesse beijando um irmão.

-Você sabe que eu sou o cara mais gente boa que você conhece e... -irritada pela sua falácia. O interrompi colando sua boca a minha.

   Eu não sei de onde me veio tanta ousadia. Ele ficou surpreso a princípio, mas logo retribuiu colando seu corpo ao meu. O Theo beija muito bem, é um tipo de beijo envolvente sabe? Mas foi estranho. Paramos o beijo quando estávamos ficando sem fôlego.

-Eu não sou como aqueles imbecis... -disse terminando a sua fala- Caraca, isso foi estranho- sorrio confirmando- Foi como se eu estivesse beijando uma irmã.

-Pois é Sr. Theo, eu sempre disse isso. -digo um pouco óbvia.

-Me lembra de confiar nas suas palavras da próxima vez.

-Sim, senhor! -faço um gesto como se ele fosse um general do exército, e ele gargalha alto- Agora se me permite, voltarei aos meus estudos.

Flahback (off)

   E desde esse dia, não recebi nenhum galanteio vindo da parte do Theo. Viramos unha e carne, inseparáveis. Vez ou outra, ele se diverte insinuando que eu queria usufruir do seu corpo nu também, na frente de outras pessoas. O que me faz querer jogar ele do prédio abaixo, mas a gente supera.
      Eu não conseguiria viver sem meu grilo. Quando passei por problemas sérios ele ficou do meu lado, sempre me dava os melhores conselhos, o que ele tinha de melhor. Muitas vezes eu quis desistir, mas o Theo não deixou. Ele não admite, mas não consegue viver longe de mim também. Acho que nem que eu morresse, eu poderia pagar o que ele fez e faz por mim. Por exemplo, agora ele está me levando ao meu local de trabalho.
    Sim, eu trabalho. Eu sou modelo fotográfica profissional à mais ou menos um ano. Eu consegui esse emprego graças ao Theo. Mas tipo, não é um emprego fixo, porque não agrado todo tipo de publicitário. Então, na maior parte do tempo eu me dedico a faculdade mesmo.
    Ontem à noite eu recebi uma ligação da agência, uma equipe de um músico gringo vem até São Paulo para escolher uma modelo. Eles vão gravar um clipe, mas a modelo não vai aparecer, por isso querem uma modelo fotográfica apenas. Eles procuraram em duas cedes da gringa, mas optaram por "dar uma pesquisada melhor". A ASOL é uma agência de renome internacional, com cedes em vários países. Aqui no Brasil tem em São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo o Phil, eu fui uma das poucas escolhidas pelos "chefs", na pré-seleção.
    Mas como o Theo foi dormir lá em casa, por conta da nossa noite oficial dos miguxos, acabei perdendo um pouco a hora...

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