A luz na escuridão

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Retorno para casa. Meu peito explode em um misto de alegria, ansiedade, medo e outras sensações que não se encontram palavras no dicionário para descrever. Minhas mãos tremem e suam frio, olho para a Môni que está em minha frente, sentada na cama, segurando a caixa nas mãos, percebo que ela está tão nervosa quanto eu. Nem que eu vivesse dez vidas poderia agradecer por tudo que ela tem feito por mim.

Ela me entrega a caixa e mais uma vez fico analisando as iniciais G.L. gravadas na tampa de madeira que fecha a pequena caixa. Coloco a caixa sobre minha perna, para que eu possa abrir com cuidado a tranca e, de repente, ouço o estalo da tranca abrindo. Não consigo segurar o sorriso. Uma alegria toma conta de meu peito e de minha amiga.

É estranho como reagimos ao desconhecido. Temos medo, mas somos curiosos o suficiente para "olhar em baixo da cama". Como se não fosse o suficiente, criamos cenários e possibilidades diferentes, temos medo de tanta coisa mas, na verdade, raramente alguma das coisas pelas quais sentimos medo que um dia iriam acontecer realmente aconteceram. Dizem que isso é amadurecimento, mas para mim é apenas uma parte da vida da qual não me orgulho.

Entretanto, junto com o medo vem a ansiedade, a curiosidade, o desejo pela verdade e é exatamente ai, nesse instante, que da tudo certo ou da totalmente errado. E com certeza é exatamente nessa esquina que eu estou, mas sinto que independente do caminho que eu seguir, não estarei completa com relação a tudo que tem me ocorrido nesses últimos dias, não chegarei em todas as respostas e isso me preocupa.

Inspiro profundamente e após sinto o ar escapar de meus pulmões, na tentativa de me manter tranquila. Abro a caixa e o que vejo me deixa surpresa. Nunca parei para pensar sobre o que poderia ter ali dentro, alguns objetos talvez, ou um outro medalhão. Mas não, não há nada disto ali, entretanto o que vejo é um pedaço de papel, já amarelado e gasto por conta da umidade e do peso dos anos que se passaram, dobrado em algumas partes para que seu tamanho se adaptasse ao da caixa.

Pego o papel e o analiso com calma. Olho na caixa e ali não resta mais nada. Nesse momento a alegria se vai, deixando apenas a curiosidade em saber o que de tão importante há nesse papel para que o Jorge tenha que morrer para não dizer que estava comigo?

A Môni senta ao meu lado para ter uma melhor visão do que contém no papel enquanto eu o abro. O texto foi escrito a mão, provavelmente é a letra de meu pai. Veremos o que está escrito:

Bom, não sabia como começar a escrever aqui, e acredito não ter uma maneira boa, nem mais fácil de dizer o que preciso minha filha, por isso decidi escrever o que meus pensamentos estão dizendo automaticamente.

Em toda minha vida profissional, não tive problemas com as perdas que tive no caminho. Nós, temos sempre escolhas difíceis a fazer, e, bem, agora você já deve ter percebido isso, pois já não é mais a minha garotinha, é uma mulher. Tenho certeza que a sua mãe e o Jorge cuidaram bem de você, te educaram para ser uma boa pessoa, ter um coração bom, como eu teria feito. É estranho pensar nisso sendo que estou te vendo no colo de sua mãe, dormindo como uma boneca, nesse exato momento.

Sinto muito minha pequena guerreira, sinto tanto que já passei noites em claro pensando que iria enlouquecer, buscando maneiras de te proteger. Só em como será sua vida daqui em diante, dói demais.

Filha, o que tenho a te dizer é sigiloso, por conta disso que pedi ao Jorge te entregar só agora que já se tornou uma mulher forte e sábia. E se você puder dizer a ele o quanto sou grato por ele ter cuidado de você esses anos todos, ficarei grato Nike.

Bom, enfim, esse papel não é tão grande, então é melhor eu ir direto ao assunto.

Quando eu conheci sua mãe, ela estava namorando com o Sidnei, não sei se você o conhece, mas filha, por favor, fique longe dele. Eu confiava fielmente nele, mas é por causa dele que estamos separados hoje. Mas então, depois de um tempo, ela descobriu que estava sendo traída, pois o Sidnei já era casado. Infelizmente ela estava grávida dele, ela estava esperando você.

Logo que ela me contou, a pedi em casamento para que eu pudesse cuidar de você e dela, a mulher que sempre amei. Sem muitas opções ela aceitou, e te damos meu sobrenome. Seu pai biológico não sabe que você é filha dele, e nunca ficará sabendo, a não ser que sua mãe, em um momento de fraqueza acabe contando a ele a verdade. (...)

Neste momento, já estou soluçando de tanto chorar, minha amiga me abraça na tentativa de me consolar, mas não consigo me conter, não consigo evitar. Sinto uma dor tão grande.

Nike - Como eu posso ser filha daquele monstro? Como...

Não consigo gritar, nem ficar brava, nem posso colocar a culpa em alguém, afinal, quem eu poderia culpar por isso? Talvez o único culpado seja o Sidnei, meu pai biológico, mas que nunca será meu pai de verdade. Mas ele não sabia, como que poderia me tratar como uma...

Môni - Ai amiga, nem sei o que te dizer. Vamos resolver tudo isso, independente do que acontecer eu estarei aqui com você, ok?

Aceno a cabeça em afirmação.

Môni - Posso ler o restante da carta? - É estranho, ela já passou por tantas coisas, e está sempre tão forte quando o assunto é cuidar de mim, isso que eu sou mais velha. Agora, olhando ela aqui, sentada na minha frente tão preocupada, com uma cara de menininha, com sua blusa azul de renda, sua calça jeans e o cabelo solto e uma tiara prendendo sua franja, mas se mostra uma grande mulher. Forte, dedicada, companheira, um presente que Deus me deu.

Nike - Pode sim. - Entrego a carta e ela da sequencia a leitura.

(...) Independente de tudo isso, você é MNHA filha e eu te amo, sempre te amarei minha pequena criança. Sei que a essa altura você deve estar odiando a sua mãe e ou me odiando. Mas, tem algo que você precisa saber. Filha, você deve estar se perguntando o que significa as iniciais na caixa que te deixei, ou talvez você já saiba, você tem um irmão, filho de sua mãe e meu. Ele está a caminho na verdade, sua mãe descobriu essa semana que está grávida dele, mas é uma gravidez de risco, mas enfim, cuide bem dele, sempre.

Bom, não sabemos ainda se será menino ou menina, se for menino eu quero que se chame Guilherme, se for menina, sua mãe quer chamar de Luana. Mas tenho impressão de que será um menino tão lindo quanto o papai aqui.

Bom, você precisa saber que eu não te abandonei, em nenhum momento. Como eu te disse, não confie no Sidnei, nunca diga nada a ele nem a ninguém sobre essa caixa. Ele é um homem doente filha, ele quer tomar você e seu irmão de nós minha filha, não permita isso, seja forte assim como nos dias de chuva que você cuida da mamãe, para ela não ficar com medo dos trovões. São dias difíceis minha filha, dias de tempestades. Mas nunca se esqueça que depois da chuva, sempre virá o sol.

Não posso te garantir como serão as coisas a partir de agora, mas saiba que farei o que for preciso para proteger vocês. Me desculpe por te decepcionar caso eu não esteja ai quando precisar.

Eu te amo, assinado Steffan Lemes, seu pai.

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