Um mundo sem você

10 3 8
                                    

O ar gélido começa a tocar em minha pele exposta, ajoelhada ao chão, olhando o sangue em minhas mãos, tento entender o que aconteceu. Sinto como se meu corpo estivesse tão morto como o do meu amigo no chão... amigo... como que chegamos a isso?!

Dor. Uma sufocante, angustiante e paralisadora dor de saber que eu fiz isso. Pior do que perder uma pessoa que é importante para você é saber que você foi a razão dela partir.

Percebo que ao meu redor as pessoas estão se aglomerando, vejo luzes em tom de vermelho anunciando que a polícia e a ambulância já chegaram, pessoas gritam coisas que eu não faço o mínimo esforço para entender. Nada mais faz sentido. Seguro na mão do Gui que estava caída ao chão, tento pedir desculpas, quero acreditar que ele pode me ouvir, que ele ainda está aqui... que ele ainda está vivo.

O barulho ao meu redor se intensifica, vozes, discussões, sirenes, tudo está confuso e lento em minha mente. Sinto alguém segurar no meu braço com força e me levantar do chão, não resisto, pois mesmo se quisesse não teria forças para isso agora. Em poucos segundos estou algemada, alguém segura meu braço com um pouco menos de força agora, olho por uma última vez para meu amigo no chão cercado de paramédicos que balançam as cabeças afirmando o que eu insisto em não acreditar.

O policial que está me segurando me comunica que estou sendo presa, eu apenas olho para ele e aceno com a cabeça informando que sei disso, mas isso não tira nem um pouco a culpa que sinto pelo que eu fiz. O policial me direciona até o carro, pessoas me olham como se eu fosse um monstro, outras com pena... vejo a Geovana e a May chorando, me olhando confusas sem entender o que havia acontecido comigo, logo mais a frente estão a Môni e o Maikel, percebo que ele a abraça tentando acalma-la, ela olha para mim e balança a cabeça em desaprovação... já estou na porta do carro, olho uma última vez em direção ao meu amigo que agora tem um pano preto sobre seu corpo. Já não tenho mais forças para chorar, tudo em mim virou amargura e escuridão, como se a noite escura invadisse meu coração e se espalhasse em minha alma.

O policial ia fechar a porta quando o Marcelo chega e diz que vai me tirar disso, que vai ficar tudo bem, mas sem saber o que dizer eu apenas olho para ele enquanto o outro policial fecha a porta e tudo silencia.

---------------------------------- ++++++++++ -----------------------------------

Dias se passaram e hoje finalmente irei sair desse lugar, a prisão... tirando as péssimas condições de higiene e conforto não é muito diferente do mundo lá fora, ou você segue as regras ou você é eliminado.

Todas as noites e todos os dias que passei aqui olhando para a mesma rachadura na parede, me fizeram refletir sobre minha vida de uma maneira como nunca imaginei. O Marcelo estava aqui em cada horário de visita, minha mãe não esteve tão presente, mas sempre mandava algum recado pelo meu namorado, o que me deixava mais confortável.

Uma policial veio até minha cela e disse que eu era para por as mãos atrás da cabeça, enquanto isso ela abria a fechadura. Um misto de sensações invadia meu coração... como que estão as coisas lá fora neste tempo em que estive aqui. Como vou conviver comigo mesma sabendo do que eu fiz...

Passado alguns minutos, sou informada que tem alguém a minha espera, já estou vestida e aguardando minha mãe me buscar. Me direciono a porta até o corredor que leva a saída, ao chegar lá fora fico surpresa em perceber que meu namorado estava lá, com o Mateus, mas minha mãe não estava.

Abraço ambos feliz em ter pessoas tão especiais em minha vida. Entramos no carro e então seguimos em direção a minha casa, o silêncio hoje não me incomoda, pois eu não saberia ao certo o que dizer.

Após alguns minutos de agitação e inquietação dos meninos, meu namorado decide quebrar o silêncio.

Marcelo – Como você está se sentindo?

Honestamente, não sei dizer se estou bem ou não, pois a ouvir esta pergunta, só me veio uma sensação. Então respondo:

- Sinto como se tivesse matado meu melhor amigo.

Uma lágrima escorre pelos meus olhos, me lembrando de que toda a dor que sinto é merecida, pois foi eu quem a causou.

Marcelo – Você não deve pensar assim, está errada.

Nike – Eu o matei... – disse reafirmando mais para mim do que para ele.

Marcelo – Você fez isso para se defender, para me defender. Amor, ele já não era mais a mesma pessoa, ele estava tão distante, tão mudado. Se ele fosse realmente seu amigo jamais teria te abandonado quando mais precisou, não teria te enganado, não teria escondido de você coisas tão importantes como ele fez.

Nike – Mas ele era importante para mim...

Mateus – Nike, eu sei o quão dolorido deve estar sendo passar por isso, mas acredite, você fez o que era o certo. Se você não fizesse outra pessoa teria feito.

Nike – Não entendo como minha vida chegou a isso...

Marcelo – Não sei te dizer porque coisas assim acontecem, queria poder te dizer que a dor vai passar, que amanhã tudo já será esquecido. Contudo, não posso, pois estaria mentindo a você e isso e algo que não farei com você, nunca. Por isso, só posso dizer que não importa o que aconteça, eu sempre estarei com você.

Após alguns momentos de silêncio atrás do outro, chegamos em frente a minha casa, meu namorado encosta o carro e então o nosso amigo desse e praticamente corre para dentro de casa.

Fico imóvel olhando a minha casa e mais a frente a casa onde morava o Gui.

Marcelo – Você não sabe o quanto agradeci a Deus por ter sido ele e não você. – segurando minha mão com a sua e meu rosto e então continua – eu não aceitaria viver em um mundo que não tivesse você. Eu não aceitaria te perder.

Nike - Obrigada meu amor. Você ocupou um espaço em meu coração e em minha vida que trouxe um colorido novo em meus dias, só Deus sabe o quanto sou feliz por essa dádiva.

E neste instante ele me abraça e assim eu sinto que independente do que aconteça, nosso amor será mais forte.

O segredo das notasOnde histórias criam vida. Descubra agora