II - "Se eu tivesse sido melhor..."

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Eram exatamente 9:31 da noite quando Andrea entrou na casa de sua chefe, o livro estava em uma bolsa transversal apoiada no ombro e em um dos braços equilibrava as roupas que Roy havia buscado na lavanderia. Ela já tinha perdido as contas de quantas vezes havia feito isso e ainda assim, todas as vezes que entrava naquele lugar suas bochechas ficavam levemente coradas ao lembrar da primeira vez que executara essa tarefa.

Lembrava-se claramente de como havia sido enganada por Cassidy e Caroline, duas pestinhas, ou Cass e Caro, como as chamava agora que haviam se tornado as meninas de seus olhos sem ao menos se dar conta.

As crianças eram difíceis, entretanto, em poucos meses e em algumas poucas conversas, Andy passou a ser um dos pontos altos de seus dias. A morena sempre tinha algum mimo para elas sem que fosse uma ordem de Miranda. Uma simples bala, um pirulito ou um chocolate e as meninas ficavam com os olhos brilhantes apenas por serem lembradas como indivíduos. Cass gostava de chocolate ao leite e qualquer coisa que fosse de morango, Caro era chegada a chocolate branco e qualquer doce de frutas vermelhas, framboesa ou uva, nessa ordem de preferência e elas ficavam impressionadas toda vez que Andrea demonstrava saber disso sem esforço algum.

Miranda fingia não saber da aproximação das filhas com a jovem, todavia a verdade é que ela ficava tocada com o gesto. Nenhuma outra assistente nunca havia se preocupado em manter uma relação amigável com suas filhas, muito menos em agradá-las sem que fosse em sua frente. A morena conseguia ser o contrário, ela implorava as meninas que não contassem a Miranda, achando que a mulher mais velha a mataria por dar doces as crianças.

Um dia as gêmeas contaram a mãe, se sentiam culpadas de manter um segredo, e então ficou sendo um segredo das três desde que elas só comessem os doces nos fins de semana. O trato era simples, Miranda fingia não saber e as meninas tinham alguns minutos com a assistente quando ela viesse entregar o livro antes de a hora de dormir, se assim fosse feito no fim de semana as três Priestlys passariam as tardes de sábado comendo doces, pipoca e vendo filmes. Depois desse trato, todos os sábados passaram a ser das três, sem exceção.

Andrea, alheia a esses fatos, apenas se permitia manter uma tímida afeição pelas garotas, assim como por Patricia e até mesmo por Miranda. Depois de hoje, entretanto, a mulher havia ganho pontos valiosos em seu conceito, não que isso fosse importante para alguém.

A assistente havia pedido a Roy que não lhe esperasse, pois pegaria o metrô e só depois de muita insistência e sob muitos protestos ele aceitou ir embora, mesmo resmungando que Miranda não gostaria disso.

Se fosse a alguns meses atrás Andrea não declinaria a possibilidade de chegar em casa mais rápido e de maneira confortável. Agora, no entanto, ela tentava ficar fora de casa pelo maior período que pudesse.

Ela havia cometido um erro, só um, e agora estava pagando por ele.

Meses atrás ela havia se separado de Nate e ele havia ido para Boston. Três semanas depois, quando ele voltou para Nova Iorque, o erro dela foi apenas o de aceitar tentar de novo. No início, tudo estava diferente, ele até parecia o mesmo cara de quando eles haviam começado a namorar, mas agora, a história era outra.

O conto de fadas havia durado pouco mais de um mês, até ele começar a fazer comentários sobre as roupas, sobre a maquiagem, sobre o peso... de alguma forma, os escudos de Andrea falharam e ela demorou a perceber que o Nate que estava com ela, não era em nada como o cara que ela havia conhecido, e que, na verdade ele era ainda pior que o cara de quem ela havia se separado antes de Paris.

Por muito tempo ela achou que estava errada e que ele estava completamente certo. Uma conversa com Nigel e alguma dias de reflexão sobre o tema a fizeram ver que não era bem assim, que na verdade ela não estava fazendo nada além de tentar crescer na vida, e que se ele não podia aceitar e crescer com ela, então não a merecia. Nesse dia ela havia tomado a decisão de terminar com ele e seguir a vida da melhor maneira que pudesse, com foco na sua realização profissional pelo menos por um tempo.

De todas as possibilidades sobre como o dia terminaria, o que ocorreu foi a única opção que ela nunca cogitou. Ela havia ido com Nigel e Miranda em um jantar de negócios, tomou suas notas sobre a reunião e quando os negócios se resolveram Miranda se retirou liberando os dois para que aproveitassem o resto da noite, por sua conta.

Eles se estenderam por uma hora, no máximo, ainda assim ela chegou em casa antes das onze e claro que havia avisado a Nate onde estava, com quem estava e o que estava fazendo. Ao chegar em casa, ele a esperava envolto em um cheiro de bebida que lhe embrulhou o estômago. Nos olhos que outrora foram calmos e compreensivos, uma chama de ódio estava acesa. Essa foi a primeira vez em que ele abusou fisicamente dela, porque de alguma forma ela deveria cumprir com suas 'obrigações de mulher'.

Depois disso, as coisas foram piorando, ele passou a beber mais, a abusar mais dela e ela começou a se abater. Ninguém entenderia pelo que ela estava passando, ela estava dormente e precisava de ajuda. A saída que ela encontrara por agora era adiar o inadiável. Ela apenas retardava o máximo possível a sua chegada em casa, pois de alguma forma ela seria agredida, fosse fisicamente, sexualmente, psicologicamente ou tudo isso junto. Agora ela sentia que de certa forma merecia isso, 'se eu tivesse sido melhor para ele' era o que ela pensava, mas aparentemente o tempo de consertar isso já havia passado e agora ela se permitia ser punida sem grandes reclamações.

Andrea agora andava com canivete e spray de pimenta na bolsa, também não se permitia dormir à noite porque não sabia o que Nate seria capaz de fazer durante o tempo em que ela estivesse desacordada. Ela se trancava no banheiro depois que ele apagava e passava as madrugadas curvada no canto do cômodo como um animal acuado. Ela não demonstrou surpresa na primeira vez que Nate disse que a mataria, também não duvidava que ele sem pestanejar o faria, principalmente depois de tudo que ele já havia feito.

Como se não bastasse isso, ela se sentia enjoada o tempo todo, e sonolenta. Seu corpo doía e assim ela começou a chegar mais cedo no escritório, duas horas mais cedo pelo menos, onde ela dormia no sofá da sala de Nigel. Ela também passou a sair mais tarde da empresa sempre que possível, só que hoje, especificamente, Nate disse que a queria em casa cedo e ela sabia que não tinha escolha, pois aquilo não era um pedido.

Ela achava que ninguém notara como ela estava mais distraída, mas Miranda notou, e isso a fez chorar pelo simples fato de perceber que ela ainda não era invisível para todos e que alguém se preocupava, mesmo que fosse a mais improvável das pessoas.

Ela pensava em mil coisas até sentir sua cabeça rodar. Esticou o braço tentando pegar o livro dentro da bolsa, mas era como se o seu corpo não fosse mais seu, será que estava mesmo ali, será que não estava sonhando?

Andy não ouviu o barulho seco que seu corpo fez ao se chocar com o piso de madeira, nem os passos estrondosos de um par de gêmeas, que de animados passaram a urgentes seguidos de gritos por ajuda. Ela não viu o olhar de pavor de sua chefe ao vê-la embolada no chão com os pertences que carregava, nem tudo o que se sucedeu.

Quando foi acordando, aos poucos, tudo que Andy viu foram alguns fios ruivos, sentiu mãos relativamente pequenas segurando nas suas e de alguma forma, o som das respirações tranquilas lhe transmitia calma. Ela piscava devagar, tentando fixar o olhar em algo. A luz na mesinha de cabeceira estava fraca, ainda assim iluminava o suficiente para que ela pudesse ver o cômodo, algo que ela agradeceu pois além de não machucarem seus olhos, lhe mostrava que não estava em perigo.

Depois de alguns minutos ela percebeu duas coisas, a primeira é que as mãos eram de Cass e Caro, e que elas estavam dormindo, uma de cada lado em uma cama muito confortável; a segunda, é que ela não reconhecia esse quarto. O único motivo de não ter entrado em pânico foram os rostos conhecidos e a sensação de paz que elas lhe traziam. Ela tentou se manter acordada, mas fazia tanto tempo que não se sentira em paz e ela estava tão cansada que simplesmente se deixou levar pelo sono sem ao menos se dar conta.

Uma Lua Por VezOnde histórias criam vida. Descubra agora