Capítulo I

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Depois de duas semanas instalada no novo apartamento, enfim, comecei a abrir as grandes e poucas caixas de papelão que guardavam a maioria das minhas coisas: roupas, sapatos, livros, documentos pessoais e alguns álbuns e porta-retratos. Enquanto retirava os objetos com lerdeza e má vontade, deixava com que algumas lágrimas teimosas caíssem livremente, empurradas pelo aperto doído no peito, pois estava sendo difícil aceitar a separação. Tanta demora em realizar esta tarefa se deu basicamente a minha insensata esperança de que meu ex-marido batesse a qualquer momento na porta, afobado, com o semblante abatido, numa mistura de remorso e arrependimento me implorando para esquecer a grande besteira de ter me posto para fora de sua vida, e com os olhos abarrotados de lágrimas dissesse que ainda me amava, ou melhor, que me amava ainda mais e juntos, enquanto recolocávamos tudo no lugar no meu antigo apartamento, nos abraçaríamos com carinho e ele me pediria mais uma vez perdão, jurando que me amaria para sempre.

Seria possível que uma cena tão clichê quanto desejada acontecesse? Eu me agarrava com todas as forças positivas do meu pensamento que sim, pois os últimos acontecimentos em minha vida haviam me provado que tudo pode mudar num simples piscar de olhos. Se ele pôde, num rompante, dar fim a dezesseis anos de relacionamento, por que não poderia me agarrar com unhas e dentes à ideia de que pudesse se arrepender e estivesse disposto a reatar?

Na verdade não estávamos casados oficialmente. Nos conhecemos na faculdade, na primeira semana de aulas, ele havia entrado no curso de Ciências Contábeis e eu no de Letras. Nos encontramos numa destas festas de boas-vindas aos calouros e depois de pouco papo e muita bebedeira terminamos a noite juntos.

Não engatamos um namoro logo de cara, a gente se encontrava em festas ou bares, geralmente sem que tivéssemos marcado previamente, e logo ficávamos juntos. Só no início do segundo ano na faculdade é que resolvemos assumir de vez o título de namorados.

Lembro de ter combinado com uns amigos de fazer um esquenta, era o nome que dávamos ao ritual de beber num boteco feio, mas com preços acessíveis, pagar uma ninharia e chegar devidamente alegres e risonhos ao local no qual não teríamos dinheiro suficiente para bancar as opções do cardápio, ou seja, algo do tipo "festa antes da festa". Assim que cheguei no pé-sujo da vez, vi Fábio (este é o nome do meu ex) sentado numa mesa bem escondida no fundo do salão, conversando com o rosto, praticamente colado, ao de uma menina que eu já conhecia de vista dos corredores da faculdade.

Percebi que ao me ver ficou abalado. Nossos olhares se cruzaram e ele abaixou a cabeça, se afastou da menina endireitando o corpo na cadeira. Foi um choque para mim, pois acreditava que o quase relacionamento que tínhamos era algo muito próximo a um namoro, sem interferência de terceiros. Então, mesmo sentindo muita raiva continuei lá, puxei uma cadeira e sentei junto aos meus amigos, de costas para ele, mas sendo informada de todos os seus passos por Diana, uma amiga e confidente, e fiquei por lá, totalmente arrasada, mas firme, aparentemente.

Pouco tempo depois ele puxou uma cadeira da mesa ao lado e se sentou com nosso grupo, sem tirar os olhos de mim. Fingi ignorar sua presença, ria mais do que achava graça, conversava mais animadamente do que o assunto merecia, até que ele, acredito que motivado pelo meu dissimulado desprezo, se levantou e sem dizer uma palavra sequer foi deixando o local. Cheguei a me arrepender quando o vi levantar, mas o orgulho me impediu de agir e fiquei lá, sentada e bebendo como se nada estivesse acontecendo.

Eu e meus amigos pagamos a conta e já estava me preparando para avisá-los que não iria mais acompanhá-los à boate da vez, inventaria uma desculpa de que estava com cólicas, embora suspeitasse que todos saberiam o real motivo da minha desistência. Porém, assim que atravessei a porta do bar, vi Fábio sozinho, recostado num poste, com uma das pernas dobradas apoiando o pé e com as mãos no bolso. Ele ficou me olhando com uma cara de cachorro arrependido e não aguentei, caminhei com o semblante fechado e parei de frente para ele sem dizer nenhuma palavra. Como se fosse sua namorada e estivesse acabado de pegá-lo num flagrante de traição, abri as narinas, cruzei os braços e esperei (dentro de mim, implorei) por alguma explicação que satisfizesse a nós dois.

Não ResistoOnde histórias criam vida. Descubra agora