Marcelle

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Marcelle

2018

A vitória tem um sabor especial. Acredito que todo mundo que já venceu na vida, em qualquer coisa, a situação mais simples possível. Talvez a prova de cálculo que sempre se dá mal, bem, péssima comparação, eu amava cálculos e era boa neles. Mas outra coisa na qual o mundo faz questão de diminui-la, no nosso caso atual era o fato de sermos mulheres e todo o resto homem.

Tente vencer uma muralha de testosterona todos os dias, verá que é cansativo. Exaustivo. Mas hoje resolvemos dar um bastar nisso. Eles não puderam prever o que viria, apenas nos demitimos.

― Um brinde a todos nossos colegas de trabalho ― Jéssica tem uma taça de cristal erguida no centro da mesa ― Eles não viram nossa demissão coletiva vindo. Foi especial. Foi como um chute entre as pernas, mas sem toque.

Mesmo com nossa taxa de sucesso imensa em todos casos que trabalhamos, não eramos iguais, eles faziam questão de deixar claro que tentaríamos, mas não íamos conseguir.

Então Laura disse que era o momento de puxar a ancora para o deck e partir. Laura está definitivamente certa. Tudo que precisamos é mostrar que conseguimos andar com nossas próprias pernas. Num lugar aonde idade, sexo ou outro tipo fator vá influenciar. Apenas nossa capacidade de resolver problemas.

Depois do ultimo gole no vinho tinto, sinto minha mente totalmente enevoada. Sei que meus lábios estão sorrindo, acredito que faz parte, não estou embriagada, estou feliz. É diferente de todas as vezes que fiquei em meu apartamento bebendo para ter alguma espécie de amnesia alcoólica e apagar o fato que estava vivendo minha vida no automático.

― Estou feliz ― Laura está claramente bêbada, sua mão pousa sobre o seio esquerdo, onde está seu coração ― Muito. Eu me sinto maravilhosa, como a Mulher-Maravilha.

― Esse é o momento que a heroína  bebe um pouco de água ― coloco a taça a sua frente, o liquido transparente não lhe apetece, mas não irá contra minha sugestão ― Confesso que me sinto bem, sem medo, como se eu pudesse fazer a maior loucura da minha vida nos próximos dias.

― Entendo o sentimento ― Laura umedece os lábios ― Apesar que esse é meu único sentimento. Vivo para loucuras.

Ela olha para o lado esquerdo, o que nos faz virar o rosto. Tem um homem vestindo em uma camisa social branca e uma calça preta. Seu corpo é imenso, totalmente desproporcional ao ambiente, está segurando um tablet e tem um avental preto amarrado na cintura.

Arrumo minha postura assim que ele nos espia em um movimento totalmente sucinto. Ela arruma a postura, como se estivesse mesmo disposta a provocá-lo, preciso dizer que se eu tivesse metade da coragem de Laura, eu estaria casada como é o sonho da minha mãe. Casada, com filhos, tipo aqueles filmes da sessão da tarde, aonde o marido chega, cumprimenta a esposa, mas na verdade, ele está transando com a secretaria, espera, não é sessão da tarde. Deve ter visto em outro canal. Enfim, com certeza eu estaria casada com algum homem totalmente sem graça.

― Vamos aproveitar para descansar ― Julia suspira enquanto devolve a taça a mesa forrada com uma toalha bege. É um restaurante íntimo, mas sempre jantamos aqui, nós quatro, como uma dupla de casais ― Tem um tempão que não vamos à praia. Ou fazemos qualquer coisa que não seja discutir. Que tal? Tomar um sol. Água de coco.

― Tínhamos que trabalhar tanto ― elas assentem ― Estou cansada de tentar provar para o mundo que sou boa, entende? O tempo todo estamos apenas tentando nos provar. Parece que tudo se tornava difícil por causa do nosso estrogênio.

― Mas tinha ― Jéssica responde, como se aquilo não fosse óbvio ― Seus ovários faziam você trabalhar em dobro e seu útero fazia receber menos.

Até Agora {Degustação}Onde histórias criam vida. Descubra agora