09 - Rodrigo

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Rodrigo

Essa casa é o exato local na qual eu cresci. Meu pai morou aqui nos dois primeiros anos de minha vida, depois ele precisou ir embora. É um lugar comum, mas as vezes sinto que não pertenço mais. Apesar das fotos, memórias e lugares cravados na mente, é como se cada vez que eu volta aqui, sinto menos vontade de vir.

É um lugar que tem memórias boas e ruins, mas memórias ruins sempre exalta das boas. Aqui foi onde Vinicius teve seu velório. Caixão fechado. Ninguém precisava ver a cara do meu irmão morto. Ninguém merecia ver o tiro preciso quase entre seus olhos. Mas eu vi, não se apaga facilmente da mente.

Em fato, não há um dia que existo que não lembro-me dele. Não apenas por ser meu irmão, por ser exatamente o tipo de filho que minha mãe precisou quando nós não tínhamos pai. Vinicius mesmo novo, fazia tudo como minha mãe mandava. "Leve seu irmão para escola". "Faça o dever de casa". "Mostre para sua avó que estão vivo".

Ela precisou trabalhar, criar dois filhos por conta própria não era fácil, mas isso fermentava a fúria dentro de mim. Todos sabemos que nossa memoria não registra coisas quando nós somos pequenos, mas bem, eu tinha dois anos e é tão clara quanto se tivesse acontecido ontem. Meu pai, seu ex-marido, pode mesmo pedir perdão. Pode fazer chover, mas eu nunca esquecerei cada vez que tive febre e sonhei que minha estava em casa e ela não estava. Todas as vezes que Vinicius me colocou no colo e pediu que não chorasse.

"Seja bonzinho, Rodrigo. Podemos brincar mais tarde. Está bem?"

Sempre me acalmava. Foi o mais próximo de um pai. Irônico. Uma criança de dez anos, cuidando de uma de quatro. Pedindo que não chorasse, provavelmente com o pânico crescendo dentro si, tentando não partir em lágrimas na frente do próprio irmão. Apenas porque precisávamos ser bonzinhos. Ou nossa mãe seria demitida.

Minha avó não podia cuidar integralmente, nunca teve a melhor saúde. Minha tia morava longe demais, trabalhava. As pessoas têm as próprias vidas, não podemos culpá-las por isso. Não mesmo.

O que faço por Lex, é exatamente o seu pai fez por mim. Toda vez que a vi chorar nos últimos anos, eu a segurei entre meus braços e segurei meu próprio pranto. Todo momento as memórias são ativadas. O desespero de não tê-lo. Não poder ligar para ele. É apenas o que queria. Ligar. Falar com ele uma última vez.

Ao menos dizer: Ei, prometo não decepcionar.

Sim, eu vivo para não passar por cima de tudo que Vinicius me ensinou.

Ele poderia ter matado o traficante, todos disseram a mesma coisa. Mas Vinicius era incapaz de fazer. Então, o traficante o matou.

― Filho? ― sinto a mão da minha sobre meus cabelos ― Estava dormindo?

Esboço um sorriso. Ela sabe que não estava dormindo.

― Não, estava apenas pensando ― Não posso dizer em quem. Isso apenas abriria uma torneira eterna ― Vamos logo ver esse filme.

― Estava pensando no filme? ― Senta ao meu lado, expondo um sorriso um é bem característico. Ela quer saber da minha vida ― Ah, Rodrigo. Eu mereço saber só mais um pouco. Só mais um pouco, por favor.

― Parece Lex falando ― ela busca o controle remoto da minha mão ― A diferença que Lex se mantém longe da minha vida. Mas agora posso ver aonde aprendeu esse "por favor" meloso.

― Se funciona, você sempre cede quando ela diz ― retruca ― Vamos, faça sua mãe feliz. Como está Laura?

― Viva ― dá um tapa seguro em meu braço ― Está bem. Ela saiu com Caio, tudo que sei. Tem dias que reencontrei, não conversamos muito. Caio está com medo de que a queira de volta.

― Deus nos livre ― ela arruma a postura ― Laura é adorável, mas não. Vocês dois unidos tocariam fogo no mundo. Seus ataques de fúria e os dela, seria um perigo para sociedade. Está bem, vou respeitar o limite. Não quer falar sobre a Marcelle, não diga.

Pego o controle de volta, mas a ouço inalar o ar. Ela não acabou. Minha mãe pode ser insistente quando quer.

― Mas filho ― volta a falar, preciso olhá-la ― Poderia me enganar, entende? ― nego com a cabeça ― Quando conversar com ela por mensagem. Não precisa sorrir. Embora que eu amo seu sorriso.

― Considerou que cansei de parecer impassível? ― É, sempre pareço totalmente obstinado a não sair socando tudo. Manter a calma faz parte e não ter uma expressão também ― Achei que ficaria feliz.

― Ficarei feliz. Totalmente. Completamente ― Isso não parece bom. O que vem a seguir ― Se a convidar para vir aqui.

― Mãe, ela gostar de obras cinematográficas de psicopatas não quer dizer quer um louco na vida ― o controle volta a dançar. Pega da minha mãe ― Mãe, é o aniversário de Lex. Tem a Vanessa...

― Se você é pai de Alexia, está pagando pela festa, por que não pode ter uma convidada? ― Argumentos sólidos ― E suas amigas. Não precisa chamá-la sozinha, isso sim parecerá algo de perseguidor. Chame todas. Laura, inclusive. Assim parecerá menos Bates.

― Vou considerar ― A ideia ainda parece perturbadora ― Deveria falar antes com Vanessa?

― Não, terá que lidar ― agora parece uma péssima ideia ― Vanessa não achará ruim. Dê o play, logo teremos que buscar Lex na escola.

Faço o que ela mandou. Então o filme se inicia. Confessou que estou ansioso para chegar ao final, não procurei sobre ele na internet. Não quero ter nenhuma dica do que acontece.

Entretanto, chamá-la parece uma ideia tentadora demais. Porém, não chamar não parece mais uma alternativa. Só esperei o melhor momento para fazer isso. Não assustá-la seria o ideal, mas a quem estou enganando? Ela não é do tipo que se assusta facilmente. Por ora, vou apenas ver o filme.

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Até Agora {Degustação}Onde histórias criam vida. Descubra agora