Capítulo II - Sexto sentido

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O destino. Fazem os homens ou faz o Universo? Questão clássica que divide opiniões.

Rebato-me sobre o debate, e estendo a minha mão esquerda para a moça à minha frente. Ela tem a expressão séria e examina a minha mão, virando-a de avesso. Os seus dedos deslizam sobre as minhas linhas digitais.

- Então? Vê uma morte prematura?

- Espere – pede ela, continuando a examinar com maior atenção a minha palma, afastando o elástico da pulseira de conchas. A seguir soergue a cabeça e encara-me com os olhos muito abertos.

- Terá uma vida longa, minha amiga. Contudo, vejo uma grande adversidade aproximando-se de si nos próximos dias.

Aceno lentamente com a cabeça. Adversidade? Será que finalmente vou me insurgir e com isso ser expulsa de casa? Bom, não seria mau de todo. Estou farta de remoer em silêncio as minhas estúpidas dores, de culpar-me pelas ausências que causei na minha vida, de fingir que me amo do jeito que sou.

Suspiro.

-... Adversidade, moça? Não sei. Só pode ser a pilha de trabalhos que vem aí e a falta de dinheiro no meu bolso.

Ela faz um olhar complacente antes de levantar a voz.

- Mas nem tudo está mal! Vejo que se aproxima um rapaz. Um misterioso homem. Vai prendê-la num grande feitiço amoroso – ela continua a acariciar a minha palma – É um homem forte e alto, e uhm... tem um ar de astro de cinema!

Olho ao meu redor como que à procura de alguém que reúna aquelas características. Ninguém me vem em mente. Apenas jovens irritadiços esperando as pautas que ainda não deram as vitrinas. Jovens de ideais certos, mas futuros incertos.

- Fale-me mais desse rapaz, moça! De onde ele é, o que faz da vida?

Ela ofega por alguns segundos antes de responder, humedecendo a boca vermelha que parece uma rosa no meio de um campo de girassóis.

- É um artista! Não sei onde o vai conhecer, mas ele não é daqui. Esse homem é estrangeiro. É um rapaz italiano!

Arregalo os olhos.

- Um rapaz italiano?

- Não gosta de italianos? Prefere um rapaz local?

Nunca parei para pensar a fundo na questão, mas se for a avaliar, penso que de facto o género europeu talvez não faça muito o meu estilo.

- Acho que prefiro um rapaz local.

- Mesmo? – admira-se, olhando-me de baixo para cima - Então está bem. Esse rapaz do futuro é da nossa cidade. Ohhh... – ela parece afundar mais para dentro da minha palma – vejo que vocês terão cinco filhos!

- Cinco filhos! Por amor de Deus moça, não pode baixar para três ou dois?

- Humm... pois bem, os deuses aceitam a proposta. Fiquemos em dois.

- Certo, assim está melhor – replico, igualmente, séria, juntando os meus pés calçados em botas de couro. Não consigo mais me conter e pelos vistos ela também não. Desatamos às gargalhadas.

- És uma grande charlatã, baixinha!

Ainda a rir-se, ela ajeita a mochila nas costas.

- Sinto muito, MC – ela agora retoma o seu tom natural - eu realmente não consigo ler o teu destino. Há um bloqueio qualquer.

Encolho os ombros. A Angelina é muito intuitiva. Tão intuitiva que no meio as suas brincadeiras de vidente e de prática de quiromancia, já acertou centenas de previsões, quase sempre bastante acuradas. Isto rendeu-lhe a alcunha de pequena bruxa. Comigo, entretanto, não acerta nunca. Somos amigas desde a escola secundária e não há nada que a gente não partilhe, desde o curso que frequentamos, até as tragédias familiares.

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