Capítulo 3 - Resgate de memórias

2 0 0
                                    


Há certas coisas que são uma grande maçada.

Dizem que quem espera alcança, mas não dizem exactamente o que é que alcança. Eu, por exemplo, esperei duas horas na fila do banco para informarem não haver sistema à boca do balcão. A sério? Custava afixar um cartaz a avisar ou informar de boca em boca? Esperei duas horas para nada. E ao sair para a rua, percebes que o pesadelo não é em Elm Street: é mesmo nas estradas de Magneto, onde o trânsito encravado mexe com os nervos de qualquer um. É mesmo só para contrariar...

Já em cima da hora, acabo por chegar ao shopping. Os meus amigos estão todos impacientes, MC, Moysha, os gémeos Fradique e António, e Shadinho. Encontro-os no meio do bowling. A tia Irina, mãe da MC está algures por aí, trouxera a Inês, a filha mais nova, para brincar aos carrinhos.

- Porque é que te atrasaste tanto? – pergunta-me Shadinho, depois de ter jogado. Deixo-me sentada enquanto troco os sapatos e espero a minha vez.

- Coisas de Magneto, colega, coisas de Magneto – reclamo.

Noto então que a MC está alegre. Gosto de ver a minha MC assim. Ela anda muito abatida, tem vindo a perder peso e nem está a fazer dieta. Safa-se por ser ligeiramente alta, pelo menos passa a ideia de pretender manter a forma. Entretanto, acho que depois do que lhe aconteceu, algo dentro se lhe partiu. É como se a morte do pai tivesse quebrado a sua alma. E a alma quando se quebra assim é um avião tombado. Os danos não se recuperam.

Os pais da MC casaram-se muito cedo e não tiveram uma vida fácil. Talvez tenha sido isso que os levara a se divorciarem, há cinco anos. Nessa altura MC morava com o pai, e foram quase três anos em que viveram apenas os dois, inseparáveis como o céu e a lua. Até ao dia em que a lua desabou. E a vida da minha amiga também. Nesse dia, MC tinha saído connosco e o pai foi depois buscá-la. A volta ela foi ao volante. Acabava de tirar a carta de condução. A cautela e a prudência, infelizmente, não foram suficientes para evitar que um bêbado se metesse na estrada à uma velocidade desusada, causando a morte do pai da minha amiga. Durante muito tempo ela se culpou e se abandonou. Este último ano, entretanto, sempre me pareceu estar bem. Mas, não estou tão certa disso.

O brilho da rapariga super charmosa, cara de propaganda de uma telefonia móvel, desapareceu. Ficaram apenas velhos truques de memória para evitar que a abordem, pior, a MC finge um bem-estar que não corresponde ao seu verdadeiro eu. A vida tem se resumido aos pequenos biscates e nos estudos, só isso.

Então e o piercing, o cabelo postiço vermelho, as calças desajeitadas, as mesmas botas de sempre, que até lhe dão certa graça, a aparência de quem não se importa em estar fora dos padrões, ou simplesmente de quem não se importa com nada, será que não servem apenas para mascarar a verdade? Será que ela conseguiu, realmente, se perdoar?

- Olá?! – Fradique faz uma dança de gestos ridícula com as mãos à minha frente - é a tua vez de jogar!

Nesse instante MC se aproxima, chupando sumo pela palhinha.

- O que é que tens? Estás esquisita há já algum tempo. Há dias na verdade – constata ela.

- Desculpem – murmuro constrangida, regressando à realidade e me preparo para arremessar a bola contra os pinos...

De repente é como se o meu cérebro fizesse movimentos ondulatórios, causando-me uma leve tontura e uma imensa escuridão. Após um forte tremor interno, a escuridão cede, e consigo voltar a enxergar. Dou por mim no meio de um ambiente extremamente requintado e perfumado de delícias gastronómicas. A sala oval fortemente iluminada, as pessoas elegantemente vestidas, denunciam ser um ambiente de festa.

SinaOnde histórias criam vida. Descubra agora