SALVEM ROSALINDA

PRISÃO

O quarto de Marcos era imundo. A vida do homem era escuridão. Rosalinda perdeu noção do tempo dentro do quarto  mal iluminado do seu colega de ensino médio. Teve tempo de observar suas roupas jogadas no chão, suas fotos estampadas na parede e também seu colchão mal arrumado. Tudo parecia sujo como o dono. Marcos passava seus dias a observar a mulher nadar sem emoção. A alimentava com poucos grãos e analisava sua anatomia com exatidão. Rosalinda se perguntou o que o levou a transforma-la  e colocar seu corpo a deleite pessoal. Se perguntou se em algum momento, por ínfimo que fosse, ele se sentiu mal por ela. 

A resposta veio alguns dias depois de algum tempo que Rosalinda perdeu.

Foi levada para sala da casa e também para um novo mundo.

Pessoas. Conversas. Comida. Mais bagunça. Mais de um Marcos sujo. E então, televisão. 

Sorriu. E dessa vez não se perguntou se aquilo era possível. Estaria talvez se acostumando ao formato de peixe? 

- Quem comprou essa belezinha?- Uma garota. Bonita e com aparelho nos dentes sorriu para Rosalinda. Uma demonstração de afeto em meio a tanto pavor. 

- Não toque nela.- Marcos afastou a adolescente com um olhar.

- Gostei da peixinha. Ela tem um dourado diferente. - A garota pegou uma cerveja e Rosalinda se espantou. Ela não deveria ter mais de uns quatorze anos. O que fazia naquela casa cheia de homens?

- Não provoca, Laís.- Um dos homens falou encarando a tv.

- Vou ficar calada mesmo, qualquer coisa já provoca o esquisitão. 

Rosalinda descobriu que o apelido de Marcos fazia jus a sua personalidade. Aquela não era uma casa comum. Não era um lar. No curto período em que esteve ali viu mais armas e drogas que em toda sua vida humana. 

Marcos realmente achava que jamais a peixinha viraria humana. Por isso ela passou a ficar na mesa de centro da sala por mais alguns dias. Vendo e ouvindo conversas. Se habituou tanto as pessoas e rotina da casa que chegou a em algum momento a se dar por vencida. Não voltaria a ser Rosalinda. Seria peixe. Seria a peixinha da casa distante e imunda. 

- Ele não pode ficar me devendo tanto dinheiro assim. 

Houve um briga mais cedo. Marcos além de estar envolvido com magia negra, sequestro e algum tipo de esquizofrenia também era metido com drogas. Não foi uma surpresa para A peixe. Seu olhar era assustador, seu toque trêmulo e toda energia perturbadora. Estava envolvido em todo tipo de sujeira. 

-Ele não tem nada pra quitar.

Homens conversavam e Laís e A mulher-peixe eram as únicas caladas. 

-Ele tem esse peixe aí que parece valer mais que ouro.

Todos os olhos se voltaram para ela. Perigo, ela podia sentir o perigo. 

-Não matem, eu gostei dela. 

Um dos marmanjos falou analisando a nadadeira da peixinha se mover com delicadeza. Ela era mesmo uma criatura diferente. 

-Deixem eu cuidar dela. 

Laís se pronunciou olhando de perto alisando o aquário.

-Se ele descobrir que você tá com isso,  ele vai te matar. 

E não houve tom de brincadeira. Eram criminosos e A mulher-peixe cúmplice. 

- Ele não vai descobrir.

Mas ele iria. Ela podia sentir que mesmo ele não estando sobe seu controle naquele momento, por qualquer motivo que fosse, não iria deixa-la partir tão fácil. Havia planejado muito bem transforma-la, não deixaria que a roubassem. E por mais que fosse um alívio pensar que agora estava nas mãos de Laís não deixava de sentir pavor. 

Sentia o tempo se alastrar agora no quarto da garota. Também sem luz, sem organização mas agora também sem comida. 

Se sentia morrendo e se perguntou onde estaria Marcos. 

Não pensava como antes. Não tinha os ideias e morais humanas. Só queria sobreviver, só queria voltar para Miguel e Luisa. Mas como se nem tinha mais grãos?

E foi então que Marcos a salvou na vida de peixe pela segunda vez. Adentrando com brutalidade a porta e colocando A mulher-peixe nas mãos.  E então, pode sentir um volume de água maior ao seu redor. Sua visão não funcionava mais devido a fome, estava mais sensível, mais vulnerável do que nunca.  Será que estava num rio? No mar? Estava liberta? E se estivesse, o que faria agora?