Pesadelo

85 3 0
                                    


• o n e •

5 de Fevereiro, 06h:20min a

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

5 de Fevereiro, 06h:20min a.m.

O asfalto frio e molhado contra meu rosto. A madrugada nublada e chuvosa com uma brisa fria soprando de encontro à meu corpo gelado e dolorido. O sangue quente escorrendo por minhas têmporas e o gosto do líquido avermelhado em meus lábios.
"Onde estou?! Mãe, pai?! Mark?!"
Os raios azulados e avermelhados das sirenes de ambulâncias refletindo ao chão. Pessoas trajando uniformes correndo de um lado à outro. Alguém gritando entre soluços e um pedido de reforços vindo de uma voz grossa.
"Parece que tem mais alguém preso entre as ferragens do automóvel!"
O carro em destroços à poucos metros de distância de meu corpo estirado. Uma paramédica apontando em minha direção com o semblante agitado.
"Levem a garota imediatamente!"
Um clarão forte esbranquiçado surgindo junto de uma dor insuportável. Gritos estridentes em meu ouvido.
"Katherine... Katherine..."
— Katherine?!
Abro os olhos de imediato agarrando os cobertores embolados na cama e escutando meu nome sendo chamado entre batidas frenéticas à porta.
— S-sim? — respiro fundo com a mão sobre o peito e controlando minha respiração ofegante. — Já estou acordada!
— Não se atrase para o seu primeiro dia de aula, querida! O café já está na mesa. — disse tia May através da porta.
Ouço a mulher descendo os degraus da escada e passo minha mão por meu rosto para acostumar-me com a claridade e sentindo o mesmo molhado ao toque por algumas lágrimas escorridas antes sem meu consentimento.
Outro pesadelo. — digo à mim mesma deixando os travesseiros e cobertores de lado e me levantando da cama.
Os pesadelos começaram a ficar constantes logo após em que eu e meu irmão tivemos alta do hospital.
No começo, não tínhamos entendido ao certo o que havia acontecido. Mas depois, quando os médicos e tia May entraram no nosso quarto com aquelas feições que contam tudo sem ao menos dizerem uma sequer palavra, tudo se tornara claro.
Ou talvez, uma completa melancolia obscura e profunda.
Tínhamos sofrido um acidente na madrugada em que estávamos saindo de uma festa, que para meus pais, acabou tornando-se fatal. Eu e Mark os perdemos de um minuto à outro, sem ao menos conseguirmos fazer ou dizer algo.
Uma das poucas coisas que lembro, foi de mamãe olhando para mim pelo retrovisor com um sorriso estampado no rosto iluminado pela fraca luz da pista iluminada pelo farol por entre à escuridão do carro, e papai rindo de si mesmo por alguma piada boba que havia contado.
Segundos depois, os gritos e o negrume tomou conta de tudo.
Se soubesse que aquela seria a última vez em que estaríamos todos reunidos, teria obviamente aproveitado cada segundo. Se soubesse que nunca mais veria meus pais, se soubesse que mamãe não apareceria mais no meu quarto com seu beijo de boa noite e papai alegrando à todos em plena manhã, teria... eu teria...
Pego completamente sem raciocínio algum por tal ato um vaso de vidro com flores antes exposto em minha mesa de cabeceira, e o atiro com força em direção à parede à minha frente estilhaçando-o e espalhando seus cacos e algumas pétalas pelo chão.
Sinto um forte baque ao ver meus pais e Mark, os três sorrindo para a câmera em uma foto tirada em nossa última viagem, pendurada na parede bem ao lado de onde o vaso acertou e lágrimas escorrerem de imediato por meu rosto.
Caminho em direção ao banheiro e me aproximo da pia, abrindo a torneira e deixando a água fria escorrer por entre meus dedos pálidos, desviando o olhar para meu reflexo no espelho à minha frente e o encarando por um tempo.
Meu rosto havia empalidecido mais do que o de costume e afinado, deixando à mostra o contorno proeminente dos ossos de minhas bochechas. Meus olhos avermelhados por consequência das lágrimas, deixava exposto o tom verde um pouco mais resplandecente. E meu cabelo - ruivo como o de mamãe - solto sobre meus ombros.
— Aguente firme. — digo suspirando entre fracos soluços e fechando os olhos me deparando com a escuridão, levando minha mão encharcada de água em direção à meu rosto.

Desço os degraus da escada olhando o celular e o guardo ao ver tia May envolvendo uma xícara de café com as mãos finas e debruçada com os cotovelos sobre à mesa - onde já estava posta com algumas panquecas em meu prato e no de Mark, frutas e dois ...

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Desço os degraus da escada olhando o celular e o guardo ao ver tia May envolvendo uma xícara de café com as mãos finas e debruçada com os cotovelos sobre à mesa - onde já estava posta com algumas panquecas em meu prato e no de Mark, frutas e dois copos com suco.
Bom dia! — exclamou Tia May ao perceber que eu a encarava da porta da cozinha.
— Bom dia — digo dando um leve sorriso e colocando minha mochila no chão. — Parece cansada, não conseguiu dormir? — pergunto não deixando de reparar em suas olheiras escuras abaixo dos olhos.
Ela suspira e nega com um movimento de cabeça.
Tia May pegara minha guarda e de meu irmão uma semana após o ocorrido, e desde então, veio morar conosco deixando para trás tudo o que conquistara em anos - já que a ideia em vender a casa de meus pais fosse a última coisa que passou por sua cabeça quando deu entrada em todas as papeladas.
Esperava pegarmos no sono e dormia todas às noites no quarto de hóspedes. Disse à ela que deveria dormir na suite principal, mas preferiu preservar o local desde o acidente que hoje completara...
Dois meses.
— O que disse, querida? — ela pergunta desviando o olhar de sua xícara à mim.
— Não foi nada — digo depois de alguns segundos calada pensando no que havia dito. — Só pensei um pouco alto demais... me desculpe. As panquecas estão com uma cara ótima! — corto um pedaço da mesma e levo à boca sorrindo fraco.
Percebo tia May encher os pulmões de ar e o soltar lentamente com um semblante de tristeza e cansaço aproximando sua xícara de café agora, provavelmente fria, aos lábios.
Seu rosto estava com mais linhas de expressão do que o primeiro dia em que a vi no hospital, e os fios grisalhos pendiam enrolados sobre os ombros.
— O que foi que quebrou no seu quarto agora à pouco? — ela pergunta.
— O vaso que ficava na minha mesa de cabeceira. Esbarrei com o braço nele quando levantei... — respondo, tentando fazer com que aquelas palavras sejam as mais convincentes possíveis.
Tia May desviou o olhar para a mesa após me escutar e contraiu seus lábios em uma expressão curiosa. Ela sempre fazia aquilo quando queria dizer algo. E lá no fundo, eu sabia o que era.
— Sei que hoje é um dia difícil para todos nós. Para mim, seu irmão e você. Principalmente para vocês dois. Mas quero que saiba que sua mãe e seu pai não gostariam que o primeiro dia de aula no colégio novo de seus filhos se tornasse uma verdadeira angústia. Não quero que fique pensando sobre isso, tudo bem? — ela sorri fraco e apoia sua mão sobre a minha na mesa.
Respiro fundo e seguro mais lágrimas insistentes já com os olhos ardendo como labaredas.
— Tudo bem.
Retiro minha mão do gesto lentamente e tomo um gole de suco repousando o copo de volta. Olho em direção à porta e desvio o olhar novamente para tia May.
— Onde está Mark? Ele vai se atrasar e...
É incrível como ela não se esquece de mim em momento algum — diz Mark com um ar de orgulho, aparecendo na cozinha e segurando alguns livros em frente ao peito. — Bom dia, ruivinha.
Reviro os olhos e aponto para as panquecas frias que haviam sido servidas para ele à algum tempo.
— Come. — digo.
— Não quero panquecas.
— Mark, come essas panquecas.
— Não.
— A tia May fez especialmente para você. — ironizo tentando o convencer.
— Eu não quero.
O encaro com as sobrancelhas arqueadas e ele retribui o olhar com uma feição desafiadora de irmão caçula. Mark tinha apenas doze anos, mas às vezes, tinha comportamentos de uma criança com seis.
— MARK, COME AS PANQUECAS! — grito pegando uma das rodelas e arremessando em sua direção, mas sem sucesso. Mark havia desviado rapidamente e a panqueca estirada na parede, caindo ao chão em seguida.
Não que era de costume lançarmos o café da manhã uns nos outros, mas havia algumas excessões.
Você errou. — debochou Mark aproximando-se da mesa, pegando uma maçã verde da fruteira e mordendo-a com um sorriso de lado.
Tia May, concentrada fitando algumas frutas picadas e intocadas em seu prato, desviou o olhar para o chão agora sujo estreitando os lábios.
— Ótimo, agora vou ter que limpar isso. — diz ela.
Pego o celular no bolso depois de encarar Mark por um tempo, fitando a hora na tela.
— Estamos atrasados. Se não quiser ir andando para o colégio, é melhor irmos logo — digo levantando da cadeira e pegando minha mochila do chão. — Tchau, tia May.
Sorrio fraco para ela e a mulher retribui com o mesmo gesto, ainda com o olhar cansado de antes.
— Até mais tarde, queridos.
Saio da cozinha em direção à porta puxando Mark pelo braço, com o mesmo reclamando por não querer ir agora à aula, e soltando um último suspiro.

Aguente firme, Katherine.

Under the StarsOnde histórias criam vida. Descubra agora