Under the Stars

Diálogo

• t w e l v e •

08h:45min a.m.

— Mas que droga! — digo à ninguém em específico chutando a porta de uma das cabines do banheiro masculino ao passar ao lado da mesma, e o som do impacto ecoa pelo local em seguida.
A queimação em meu pulso continuara a mesma, mas o sangue em minha mão não mais escorria quando o curativo - mergulhado em vermelho - de Dorothea sai por completo quando o desenrolo e o jogo na pia - agora à minha frente.
Abro a torneira e deixo a água escorrer por entre meus dedos enquanto encaro meu reflexo - exibindo um semblante sem emoção alguma, completamente desgostoso e cansado - no espelho, sentindo uma ardência nos cortes na palma de minha mão surgir gradativamente com a água gelada impactando com os mesmos enquanto escorria tingida em vermelho pelo sangue na cuba branca.
A palidez em minhas mãos trêmulas por uma raiva possessiva de antes, agora já não marcava presença. O tom da pele havia voltado ao normal e a tremedeira estagnara.
Mas a angústia e decepção com Ethan continuavam as mesmas.
Estava ciente de que o garoto não viria à mim com um pedido oficial de desculpas sem ser cogitado por Ashley, a quem sempre o obrigava a fazer coisas que não faria pela própria vontade e com consciência.
— Blake Campbell, você... você está aqui? — diz uma voz feminina vinda em direção à entrada do banheiro.
Desvio o olhar de meu reflexo no espelho com um ponto de dúvida estampado entre minhas sobrancelhas e com um semblante confuso.
A porta ficava logo atras de uma parede que separava um pequeno corredor das cabines, mictórios e as pias - onde eu estava - mas mesmo sem vê-la, havia reconhecido a dona da voz doce e envergonhada.
— Blake? — diz repetindo meu nome e fechando a porta atras de si. — Se você estiver aqui, por favor fala alguma coisa. Não é todo dia que entro no banheiro masculino de um colégio novo preocupada com um garoto que ainda mal conheço.
Solto uma leve risada ao escutar aquilo e balanço a cabeça com um sorriso.
— Kate, o que está fazendo no banheiro masculino? — pergunto.
Os fios flamejantes de Katherine chamam a atenção quando a mesma surge de trás da parede desviando seus olhos verdes à mim, abraçando o próprio corpo com os braços e com o semblante avermelhado.
— Está com vergonha? — pergunto sem que a garota respondesse o questionamento de antes, e sorrio fitando seus olhos.
— Não — ela diz sorrindo e formando pequenas covinhas no canto dos lábios - antes imperceptíveis por mim. — Estou procurando por você.
— Por que?
— Porque como disse agora à pouco, estou preocupada com um garoto que ainda mal conheço.
— E entrou no banheiro masculino só para ver se eu estava bem? — pergunto com o sorriso de antes ainda estampado em meus lábios e Katherine arqueia levemente as sobrancelhas.
— Não que eu esteja esperando um agradecimento, eu só...
— Obrigado, Kate — digo a cortando. — Obrigado por se preocupar comigo. Não esperava que alguém fizesse isso.
Katherine sorri fraco colocando uma mecha de cabelo atras da orelha e começa a se aproximar desviando seu olhar para minha mão na cuba ainda com a água gelada escorrendo pela mesma.
— Sem querer ser intrometida, mas já sendo... — ela diz apontando para minha mão com os cortes. — O que você fez?
— Um pequeno acidente hoje mais cedo, na minha casa. Não foi nada de mais. — digo.
— Ah, foi sim. Blake, sua mão está toda cortada! — diz Katherine, agora parada ao meu lado, com uma feição preocupada. — Deixa que eu te ajudo com isso.
— Não, não precisa. Não quero te atrapalhar.
Ela suspira me encarando e erguendo um pouco o rosto - já que o topo de sua cabeça batia em meu ombro - com os lábios estreitados.
— Eu cuido de machucados à muitos anos por conta de meu irmão, Mark. Eu estou acostumada com isso. — diz pegando minha mão com uma das suas - pálida e gelada ao toque - e aproximando a outra dos cortes, passando os dedos levemente pelos mesmos limpando-os com a água escorrendo.
A ardência já não incomodara mais, mas um dos cortes - o mais profundo - ainda transmitia sua presença quando Katherine passava os dedos por ele.
— Não vai me falar como fez isso, não é? — ela pergunta sem desviar o olhar do que estava fazendo.
Respiro fundo tentando evitar as lembranças do ocorrido de hoje pela manhã e mordo meu lábio inferior brevemente.
— Quebrei uma taça com essa mão, e os cacos... bom, você já sabe. — digo e Katherine franze o cenho ainda sem me olhar.
— Espatifou uma taça com essa mão? — ela pergunta curiosa. — Vai me dizer que sente prazer em quebrar taças apertando-as por entre os dedos, Blake Campbell? — diz soltando uma risada espontânea, provavelmente tentando me alegrar.
— Claro, sinto um puro e genuíno prazer em espremer taças com as mãos. — falo sorrindo e Katherine, balançando a cabeça negativamente, fecha a torneira e aproxima-se do expositor de papéis, puxando alguns e dando meia volta em seguida entregando-os à mim.
— Você é louco — ela diz sorrindo, e o mesmo sorriso começa a sumir gradativamente de seu semblante, deixando claro a pergunta que viria à seguir. — Mas... o que aconteceu entre você e o irmão da Ashley?
Suspiro secando as mãos com os papéis, e os arremesso na lata de lixo à alguns centímetros de nós.
— Ethan sempre foi um cara complicado. Desde pequeno ele faz do Céu o próprio Inferno para conseguir o que quer, e adivinha? — digo encostando-me na pia e cruzando os braços em frente ao peito, desviando meu olhar à Katherine. — Ele consegue tudo e mais um pouco. Mesmo que para isso, ele tenha que tirar qualquer um de seu caminho.
— Mesmo que esse "qualquer um" — diz Kate fazendo aspas com os dedos e posicionando-se em pé à minha frente. — Seja o melhor amigo?
— Sim — respondo. — Ele não liga para essas coisas, para ele, pouco importa você ser o garoto que esteve ao seu lado a vida toda, ou um mero desconhecido.
— Aquele tanto faz, que agora tanto fez. — diz Katherine em um tom filosófico.
— Isso mesmo. — digo com um sorriso fraco.
— Por que não o afasta de sua vida?
— Porque não é tão fácil assim. Nossas famílias são íntimas o bastante à ponto de serem uma só. Isso causaria uma completa reviravolta nesse relacionamento de décadas.
— Dane-se as famílias. — diz Katherine de uma vez, dando de ombros e calando-se.
Sorrio com o que ela diz, e Kate - provavelmente depois de raciocinar sobre o que disse - entreabre os lábios levando uma das mãos aos mesmos com uma outra feição envergonhada.
— Não foi isso que quis dizer. — ela fala por entre os dedos desculpando-se.
Solto uma risada, fazendo a garota relaxar a postura após notar que eu não havia ligado para o que disse, e enfio as mãos nos bolsos do blazer.
— Tudo bem, você está certa. Eu não deveria pensar no que nossas famílias iriam fazer sobre isso, e sim, colocar-me como prioridade — digo. — Mas como disse antes, as coisas não estão e não são tão fáceis assim.
Kate me olha com um ponto de dúvida estampado em meio à suas sobrancelhas e respira fundo com um movimento de lábios.
— Tem algo à mais que está acontecendo, sem ser essa história com o Ethan? — pergunta novamente com seu tom de preocupação.
— Não. — digo.
Eu sei que Kate só estava tentando ajudar-me, mas não queria preocupa-la com os acontecimentos em casa. E apesar de nos conhecermos hoje, a via como uma garota que conhecia à anos. Porque nunca alguém havia se importando com tamanha forma igual ela se preocupou em me ajudar, sem ao menos me conhecer por completo como Ethan ou Ashley.
— É só o Ethan. — falo complementando.
— Ah — ela diz desviando o olhar para o chão e ficando alguns segundos calada, a tempo suficiente para eu imaginar se teria dito algo que não a agradou. — Você vai a reunião deles hoje à noite? — ela pergunta mudando de assunto, voltando a encarar-me.
— Eu não sei ao certo se vou ou não — digo. — Eu iria, mas isso era antes do ocorrido no corredor. O clima ficou meio...
— Pesado. — diz Katherine completando minha fala e comprimido os lábios, e concordo com um movimento de cabeça à ela.
— Você vai? — pergunto.
— Não sei, Ashley quer que eu vá. Mas não conheço as pessoas e muito menos o lugar. Provavelmente não vou me sentir confortável.
— Mas se você for, eu vou. — digo sem pensar com um sorriso formado em um dos cantos de meus lábios e Katherine fica sem reação.
— Certeza? — ela pergunta sorrindo.
— Certeza. — afirmo e encaro meus pés totalmente sem consciência do por quê de tal ato.
— Então eu vou. — diz Katherine em um tom confiante, e a olho notando o mesmo sorriso de antes à mostra em seu semblante - agora também com um brilho em seu olhar.
Sorrio à ela, e, com uma ação involuntária, me aproximo de seu corpo e a envolvo em um abraço.
— Obrigado novamente, Kate. — digo, e o corpo de Katherine colado ao meu - antes estagnado por minha ação imprevista - relaxa envolvendo seus braços no gesto.
— Não precisa me agradecer — ela diz com a voz abafada em meu ombro. — Pode contar comi...
A porta do banheiro abre subitamente, fazendo com que Katherine parasse de falar a afastasse rapidamente meu corpo do seu com as mãos.
— Mas que merda, ninguém pode me ver aqui! — ela diz sussurrando e seguro uma risada ao notar sua preocupação irradiando, e Katherine me encara incrédula. — Não é para rir, Blake! Faz alguma...
— Ah, me desculpem! — diz uma voz masculina que poderia reconhecer sem precisar olhar o dono da mesma com a silhueta surgindo no relance de meu olhar. — Não queria atrapalhar os pombinhos!
— Nick Foster — digo com um sorriso encarando o garoto que estampava um semblante cômico pela ocasião, e Katherine solta um suspiro de alívio ao ver quem era. — Você não atrapalha, pode entrar.
Nick intercala seu olhar entre mim e Kate, e após alguns segundos sem dizer nada, exibe um sorrindo com sobrancelhas arqueadas.
— Ora ora, a novata ruiva foi logo agarrar o veterano gostosão do último ano no banheiro masculino bem no primeiro dia de aula — ele diz em tom de deboche e soltando uma risada entretida. — Quanta ousadia.
— Fica quieto, Nick! — diz Katherine com certa intimidade revirando os olhos e exibindo um sorriso no canto dos lábios.
— Vocês já se conhecem? — pergunto.
— Ele me ajudou hoje, quando não consegui encontrar a sala do senhor Jhonson.
— Sou um ótimo guia neste campus. — diz Nick sorrindo com um ar de confiança própria e dando alguns passos para trás. — Bom, eu vou deixar vocês dois à sós.
— Não... não estamos... — Katherine começa a falar em um tom de negação e Nick à interrompe.
— Eu sei, eu sei — ele diz virando o corpo com as mãos em rendição em direção à porta e some novamente por trás da parede. — Eu vou fingir que não vi nada nesses últimos minutos. — fala dando entonação em sua voz, e abre a porta saindo pela mesma em seguida nos deixando sozinhos mais uma vez.
— Ele não vai dizer nada à ninguém, não é? — pergunta Katherine desviando o olhar à mim.
— Não, pode confiar no Nick. Ele é um cara legal. — digo dando um leve sorriso de lado e Kate novamente deixa transparecer uma sensação de alívio.
— Bom, então... — ela diz quebrando o curto período de silêncio entre nós. — Vejo você hoje à noite?
Respiro fundo e a olho.
O brilho em seus olhos continuara o mesmo de antes, e seu semblante agora era de uma ansiedade inquietante por minha resposta.
Estava de consciência limpa ao decidir que eu não iria na mansão Vanderbild hoje por agrado à Ethan ou Ashley.
Eu iria por conta de Katherine Moore.
— Sim, nos vemos hoje à noite.