Capítulo Seis: Duas Vidas

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        Era o penúltimo dos seis dias que a família de Mary Andrews passava no bonito hotel de cinco estrelas. No dia seguinte, fariam as malas e voltariam para a sua casa na aldeia. As saudades de Taylor, do prado das margaridas, da gatinha branca Mrs. White, de tudo... já apertavam. Mas ao mesmo tempo também já tinha saudades de Cole. No dia anterior, o quarto dia, tinham almoçado juntos com as famílias de ambos. E era também o que estava planeado para aquele dia.

        Lembrando-se do almoço, Mary levantou-se de repente. Olhou para o relógio. 07h51. Os pais ainda estavam a dormir, por isso não podia levantar o estor e abrir as cortinas, mas não deixava de precisar de luz do sol. Vestiu à pressa uns calções verdes de cintura subida, um top branco e uma camisa castanha às bolinhas semi-transparente.

        Saiu do quarto e foi até ao campo de futebol, que tinha visitado pela primeira vez no dia anterior.  Esteve a treinar remates durante aproximadamente meia hora. O sol já estava alto, mas o campo continuava vazio. Às 08h20, chegou a primeira pessoa (para além de Mary) ao campo: o seu pai. A sua chegada inesperada fez Mary perder a concentração e rematar contra a trave.

        -Então, Mary, desportos de madrugada?

        -Pai, não é de madrugada...

        -Pois, tens razão, é de emergência, acertei?

        -De emergência? O que queres dizer com isso? - perguntou Mary, confusa.

        -Quero dizer que percebo que te sintas dividida. Sei que tens muitas saudades de casa, mas ao mesmo tempo gostas disto aqui, e não queres que acabe... - explicou o pai.

        -E o que é que isso tem a ver? - interrompeu-o ela.

        -Espera, já lá chego... - continuou ele, num tom brincalhão - Como não consegues explicar aquilo que sentes, sais do quarto às sete da manhã, vestes qualquer coisa à pressa e vens para o fim do mundo chutar bolas ao poste...!

        -Ei, só falhei uma!

        -E foi logo a única que eu vi - o pai piscou-lhe o olho - são oito e meia da manhã. Queres ir ao refeitório comer qualquer coisa?

        -Não, hoje passo. Tens razão, sinto-me esquisita.

        -Queres conversar?

        -Não sei, é estranho. Parece que me divido em duas vidas... Antes e depois de termos ganho aquele concurso. Antes era tudo muito simples. Os únicos elementos da minha vida eram tu e a mãe, a Mrs. White a ronronar ou a pedir comida, a Taylor, a escola, o rio e o prado cheio de flores no verão. Desde que chegámos a este hotel, a primeira vez que fomos de férias, há tantos elementos novos a considerar... E que, depois de amanhã, desaparecem para sempre.

        -Não desaparecem, Mary. Continuas a guardá-los na tua memória. 

        -Não é a mesma coisa, pai. Nunca mais vou ver o Cole. Nos livros, o primeiro amor acaba depois de muito tempo, não depois de seis dias.

        -Como é que sabes que  nunca mais o vais ver?

        -Agora estás a sugerir que o meta dentro do carro e o leve para a nossa aldeia. Ele vive em Nova Iorque, pai, é um meio completamente diferente.

        -Não, filha, estou a sugerir que lhe peças o número de telefone e o contacto do skype. E talvez, só talvez, eu te deixe vir estudar para Nova Iorque quando tiveres dezoito anos. A Taylor também deve gostar de vir.

        -A sério que deixas, pai? - Mary nem queria acreditar, e correu para abraçar o pai.

        -Eu disse talvez... - sublinhou ele, fazendo-lhe uma festa na cabeça.

        Depois de largar o pai, Mary encaminhou-se de novo para a bola:

        -Jogas? - perguntou-lhe.

        -Está bem - respondeu-lhe o pai - mas olha que eu jogo muito melhor que tu!

        

Summer (Short Story 2014)Onde histórias criam vida. Descubra agora