Acordei subitamente com o barulho da campainha e vislumbrei um frasco de luz ainda acinzentado vindo da janela ao lado da minha cama. Com o susto inesperado, minhas mãos começaram a transpirar e um frio percorreu dos meus pés até meu pescoço, o barulho realmente me incomodava. Pareciam ser em torno de 5 horas da manhã e meu corpo protestava em dores musculares a tensão passada na noite de chuva, talvez pelo fato de que dormi sentado na cama, agora me encontrava com torcicolo. Minha campainha nunca tocava, com as raras exceções de Siwon chegando tarde de alguma festa pelo centro da cidade, ou mesmo Siwon buscando um banheiro no seu intervalo de trabalho. Em uma manhã nebulosa e cinzenta, aposto que meu amigo estava dormindo graciosamente em sua cama.
Levantei um pouco tonto pela posição desconfortável em que dormi e coloquei meus chinelos abusando da meia-luz de início de dia para acostumar meus olhos ao escuro e voltar a enxergar. Fui em direção ao espelho, ajeitei alguns fios dourados que caíam sobre meus olhos castanhos arredondados, observei rapidamente meu rosto magro e bem desenhado e desejei não ter tantas olheiras ao acordar, fechei meu roupão azulado e corri a passos largos em direção ao corredor após ouvir pela terceira vez o som incômodo ecoando, atravessei a sala de estar e abri a porta com cautela.
A figura ao outro lado não era preocupante, apenas um vizinho já conhecido por mim. O Senhor Kim vivia sozinho no apartamento 53 do 5º andar e em algumas raras ocasiões passava no meu quarto de hotel trazendo alguns biscoitos ou revistas já lidas, eu imaginava que era alguma desculpa para conversar, porém de mim ele não conseguia tirar grandes diálogos. Senhores como ele transmitem tanta experiência e gostam muito de contar suas histórias vividas e felizmente eu era um bom ouvinte. Encarei os olhos cansados e enrugados do Sr. Kim e quase não reparei a caixa pequena que carregava em sua mão direita. Mais biscoitos?
ー Boa noite Sr. Kim. É um pouco cedo, não acha? ー minha voz saiu rouca e falha, era o máximo que eu conseguia proferir aquele horário.
ー Você quis dizer bom dia, Sr. Lee! ー sua voz era tão rouca quanto a minha, porém por motivos naturais de sua alta idade. Ele não sorria e parecia ansioso para alguém de 87 anos. ーDesculpe atrapalhar seu sono, mas direcionaram essa mercadoria ao meu apartamento por acidente e percebi que era seu. Olha, tem seu nome!
Encarei a caixa pequena que ele apontava para mim e vi algumas letras azul marinho escritas em um papel no topo da caixa:
"Destinatário: Lee Hyukjae
Remetente: Lee Kangheon"Imediatamente foquei o rosto do senhor parado em minha frente e não pude acreditar no que via. Eu procurava por respostas em seus olhos cansados, algo que explicasse o motivo de tudo aquilo, esperava que aquele velho dissesse que sabia o que estava acontecendo.
ー Você sabe por acaso quem enviou, meu jovem?
ー Sim. Foi meu pai.
Alguns segundos se passaram e a resposta que eu tanto esperava não chegou. Aquele senhor apenas depositou a caixa em minha mão, virou-se e seguiu em frente em passos tranquilos. Como seria possível meu pai me enviar algo? Alguém estava pregando uma peça em mim?
Dei a volta e avistei meu apartamento agora mais claro e visível com a luz do sol. Em minhas mãos, o objeto de papelão pesava cada vez mais a cada segundo e minha cabeça girava em torno de uma figura esquecida há tantos anos, um homem quase calvo e baixinho que atendia pelo nome de pai. Eu não queria lembrar, não queria pensar, mas aquele objeto parecia que carregava lembranças dentro, memórias pesadas que agora pesavam mais que chumbo nas minhas mãos. Naquela manhã nublada, me vi com medo de abri-lo por completo e me deparar com elas.
Prendi a respiração por alguns segundos e comecei a abrir a caixa lentamente com meus dedos fracos. Não sabia o que encontraria, mas o peso do passado me doía as mãos. Coloquei-a para dentro da caixa na fresta que consegui abrir e não senti nada. Era apenas uma caixa vazia e fria. No mesmo momento, a tristeza se apossou de mim. Em uma fração de segundos eu havia me permitido criar esperança, me permitido lembrar e querer algo para pensar. Em alguns segundos eu acreditei que teria algo deles, que receberia ao menos alguma resposta. A raiva tomou forma em mim e me fez transbordar de desgosto, descontei-a rasgando a caixa em muitos pedaços e jogando-os em direção á parede da sala. Por tantos anos não me permiti pensar em nada e em questão de segundos eu abri uma brecha, eu acreditei que falariam comigo de alguma forma sobrenatural e incrível. Aquela caixa simbolizava minha fraqueza, minha perda de sanidade e minha decepção. Quando rasguei o último pedaço da caixa, senti cair sob meus dedos dos pés um papel gélido cor bege dobrado em três etapas. Pude enxergar uma caligrafia conhecida pelos borrões no verso. Agarrei o papel e abri suas três partes desejando algo mais, desejando algum sinal. A caligrafia cursiva do meu pai saltou aos meus olhos como se gritasse comigo. Comecei a ler.
"De Lee Kangheon, para Lee Hyukjae.
Doze anos se passaram e você já deve ser um homem feito! Quase consigo visualizar você com seus cabelos louros acinzentados (se é que você não pintou de preto como desejava na adolescência), seu rosto fino e pálido, olhos castanhos, redondos e expressivos de quem desejava ver o mundo e o melhor das pessoas. Posso imaginar como seus filhos devem ser bonitos. Caso você os tenha, nunca esqueça de dizer que os ama e permita que eles saibam ao menos meu nome. Nesse dia venho-lhe fazendo um apelo. Lembro-me que você sempre desejava acampar em família. No seu aniversário de 10 anos marcamos de acampar em uma pequena cidade no interior, você estava tão animado para comemorar esse dia. Um pouco antes de sairmos sua mãe adoeceu. Tivemos que levá-la ao hospital e ficamos por lá durante três dias e não pudemos comemorar seu aniversário. Você se preocupou tanto, não comia, e inclusive esqueceu que fez 10 anos. Você ainda dizia para as pessoas que tinha 9 anos mesmo depois de vários meses, consegue se lembrar? Foi uma pena termos perdido essa oportunidade de acampar. Trago-lhe agora um presente, anexado junto desta carta está um endereço. Rezo para que finalmente você possa ter a chance de acampar em família, leve a sua com você! Tenho certeza que você se tornou um jovem forte e destemido. Se ainda é um explorador que busca por novas aventuras e deseja descobrir o mundo, esse presente lhe fará bem. Espero que desfrute dessa experiência e lembre quem você é. Viva feliz e tenha uma longa vida!
Dos seus pais que te amam eternamente!"
Mal terminei de ler a carta e direcionei meus dedos ao verso, encontrei um pequeno envelope anexado e o abri. Dentro dele, um papel recortado com um endereço entitulado "Casa de Campo".
Em um misto de sentimentos e sensações, eu podia provar aos poucos da nostalgia doce e suave que tanto me acovardei a experimentar. Por alguns minutos me permiti adentrar na atmosfera de lembranças sem medo. Olhava para a sala vazia e fria e aos poucos me aquecia com o calor de uma companhia nova. Podia quase ouvir a voz do meu pai soando pelo cômodo e trazendo segurança. Não me sentia mais sozinho, alguém tinha acabado de conversar comigo.
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Into the Woods
FanficHyukjae vive cercado com a incansável movimentação da cidade e conforme passam-se os dias, nada novo acontece para fazê-lo esquecer sua pacata vida de aconchego. Ao receber como herança uma viagem misteriosa para uma pequena vila florestal, Hyukjae...