Capitulo I - O vento sopra onde quer

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Às seis horas da manhã o despertador me
recorda que mais uma semana se inicia. Como de costume, enquanto tomo o meu café da manhã, confiro minha agenda e os respectivos compromissos de sempre (um tédio). Sou um psicólogo que gosta de ter a vida nas mãos, sem espaço para surpresas. Modéstia à parte sou muito bom no que faço, sempre fui melhor para os outros do que para mim mesmo. Aliás, existe algo mais fácil do que ajudar o próximo, e mais difícil do que ajudar a si mesmo? Por isso prefiro ficar em uma posição cômoda, as surpresas deixo que os meus pacientes me contem. Sei que a vida não é uma eterna rotina, e um dia essa barca atravessa ventos tempestuosos, mas, não sou eu que vou ocasionar isso, então, até que me obriguem a mudar, eu permanecerei como sou.
Sempre chego às 8h45min em meu consultório, começo a atender às 09h00min, embora com apenas dois anos de profissão, já tenho uma agenda apertada. Trabalho com adolescentes e adultos, são os meus públicos preferidos. Amo o que faço, a cada dia conheço diversos mundos, sonhos, medos e fantasias, é como se eu estivesse em “O Senhor dos Anéis”, um mundo cheio de fadas, orcs, guerras, amores impossíveis etc. Por isso o protocolo de 30 a 45 minutos por sessão passa longe da minha sala de atendimento. Sempre achei essa questão de tempo incoerente. Afinal, algumas pessoas precisam de apenas um minuto para lhe falar o essencial, o resto é como o seu coração reage diante disso, e isso é o mais importante.
Segunda-feira, pra variar é o dia mais movimentado na clinica, mas também um dia muito esperado por mim, especialmente às 17h00min, quando atendo Giovana, uma jovem de 20 anos, que após a descoberta de um tumor no cérebro, perdeu o sentido da vida e desencadeou uma depressão. Sem dúvida era um caso que me preocupava, como disse, não ligava muito para resolver os problemas da minha vida, mas a vida alheia era sagrada. Sei que não posso salvar o mundo, no entanto, salvando uma vida, era também a maneira de salvar a mim mesmo. Essa preocupação excessiva com os meus pacientes me tira muitas noites de sono, acho que não me perdoaria se perdesse um paciente.
Após atender Giovana, não atendia mais ninguém, pois seu caso me tirava muita energia, a sessão era sempre muito intensa. Diferente de todos os outros pacientes (adolescentes) que saiam da minha sala como se estivessem saindo de um filme de comédia. Então antes de ir para casa, organizei a minha sala ao som de Mozart, acredito que cada dia tem sua trilha sonora, mas raramente passo dos anos 70. De vez em quando, pode-se ouvir Coldplay da minha sala. Meus gostos são tão retrógrados, que nem sei como me dou tão bem com os adolescentes.
Já são 20:00 horas e a temperatura começou a cair. Ah, como eu amo o inverno! Peguei as chaves e é hora de ir para casa!  Quase na porta para ir embora, toca o telefone. Eu nunca atendo o telefone, pois a clinica tem três secretarias eficientes, mas naquela noite eu me empolguei com Mozart, e todas já tinham indo embora. Achei estranho o telefone tocar àquela hora, e como odeio surpresas, não quis atender. Mas por um estranho motivo, resolvi fazer algo que raramente tenho coragem, pois sempre que faço, algo termina mal: seguir os meus instintos. Então resolvi atender.
–– Alô!
–– Olá, é possível marcar uma consulta com um terapeuta?
–– Estamos fechados, por favor, retorne amanhã –– Falei quase desligando o telefone.
–– Espere Senhor! Por favor, eu preciso muito de um horário.
Eu não sabia o que fazer, não tinha acesso à agenda dos outros terapeutas, e não estava querendo pegar mais pacientes, até terminar outra terapia.
–– Espere um minuto, vou verificar.
Já arrependido de ter atendido ao telefone, peguei minha agenda, e vi que a secretária tinha desmarcado minha primeira paciente do dia seguinte. Então fiz a loucura de seguir meu instinto novamente.
–– Eu tenho um horário amanhã às nove da manhã.
–– Perfeito! Qual o seu nome senhor?
–– Tobias, o seu terapeuta (risos). E o seu?
–– Laura.
–– Ok, Laura! Nos vemos amanhã! Boa Noite!
–– Obrigada! Até amanhã.
Fui para casa um pouco pensativo, mas tratei logo de esquecer tudo isso e fazer o que mais gosto, seguir minha rotina, sem imprevistos, sem surpresas, logo sem problemas e amolações desnecessárias. Afinal, a maior parte dos problemas acontece quando queremos nos aventurar em algo novo, prefiro passar a vida em baixo das minhas cobertas, a sentir esse friozinho na barriga diante de algo novo.

Dois Corações No Divã (Em Construção)Onde histórias criam vida. Descubra agora