Capítulo III - Aceitando Desafios?

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Estava convencido de levar o caso Laura adiante, pois acreditava que tinha algo mais em suas ideias malucas, talvez com o tempo ela abrisse o jogo. A segunda semana não foi tão preocupante como a primeira, e, talvez por isso, decidi continuar com as sessões, pois minha zona de conforto estava preservada. Comecei a observar que Laura era a única exceção entre os meus pacientes. Evidente que cada um tinha um problema diferente, mas agiam quase que mecanicamente, não tinha casos desafiadores. Giovana me exigia mais do que o normal, mas nada que fugisse do controle.
Por outro lado, Laura era desafiadora por essência, mas longe de ser uma rebelde. Era inteligente, falava com paixão sem nunca perder a delicadeza. Logo imaginei que não devia ter muitos amigos, pois a maioria dos jovens nessa idade só caminha a favor da correnteza. Laura parecia acreditar que a vida tinha um segredo, e ela não descansaria até descobri-lo.

***
No final de semana fui ao rancho dos meus pais. É um bom lugar para os meus lazeres preferidos: Ler e escrever. Mas faz um bom tempo que não escrevo, então dobrei as minhas leituras, aumentando consideravelmente a minha biblioteca.
Meus Pais são pessoas maravilhosas, mas nos últimos anos com a entrada na meia idade, aderiram ao “MST” (Movimento sem netos), e como era filho único, a pressão aumentava a cada ano. Na verdade estavam mais preocupados de eu nunca me envolver com alguém seriamente. Então, no almoço de domingo, minha mãe fica me olhando, para ver se percebe algo diferente. Confesso que ela me olhou de forma estranha, mas não falou uma palavra a respeito.
Voltando para casa, estava ansioso com a terceira sessão com Laura. Quando cheguei ao consultório, Laura estava na recepção lendo A Divina Comédia de Dante Alighieri. Desta vez, pedi para que subisse direto comigo.
–– Então Laura, como está?
–– Estou bem e você?
–– Bem, obrigado.
–– Estava p...  –– Laura me interrompe
–– Espere, antes quero lhe perguntar algo.
–– Ok!
–– Você acha que a vida é o inferno, purgatório ou céu?
Eu sabia que ela tinha tocado no assunto por causa do livro. Então não vi problema em discutirmos isso. Afinal, ela pode me mostrar como o seu coração está enxergando a vida.
–– Acredito que é o purgatório.
–– Errado! –– Ela sorri
–– Aqui é o inicio do céu.
–– Sim Laura, o céu começa em você! –– Falei como se todos soubessem
–– Errado de novo! O Céu começa em nós.
Laura disse isso com o sorriso mais sublime que já tinha visto. Eu sabia que este “nós” não era no sentido entre nós dois, mas mesmo assim, não consegui compreender exatamente o que ela quis dizer, porém sabia que estava ligado a algo mais religioso (por se tratar de A Divina Comédia), área que a maioria dos psicólogos são praticamente analfabetos. Então sorri e preferi não explorar essa questão.
–– Vejo que está empolgada com Dante.
–– Você já leu A Divina Comédia?
–– Sim, todos deveriam ler.
–– Por quê? –– Abraçando a almofada, como se eu fosse o paciente.
–– Acredito que a nossa vida passa por esses três estágios, mas de maneira desordenada. Quando nascemos tudo é belo como o paraíso, cada dia é uma surpresa, as primeiras palavras, os primeiros passos, tudo é encantador. À medida que vamos conhecendo a realidade, também descemos ao inferno, então começamos a ver as nossas mazelas e as misérias do mundo. Então nos casamos e somos lançados novamente para o paraíso, praticamente uma nova vida, temos filhos e nos sentimos como super-heróis. Depois envelhecemos, as pessoas que amamos começam morrer, então descemos novamente para o inferno. Mas como estamos mais maduros, rapidamente subimos um pouco e nos encontramos diante da ultima fase nesta vida: O Purgatório, o principal estágio da vida, pois os seus próximos passos decidirão de uma vez por todas, se você desce ou sobe novamente.
–– Nunca ouvi algo tão belo. –– Laura parecia emocionada
–– Não exagere. Quando chegar à estrofe XXXIII do Paraíso você vai ver o que é beleza.
Laura passou o resto da sessão com um sorriso de orelha a orelha, eu já estava me sentindo mais a vontade. Comecei a querer falar mais e mais na sessão. Acredito ser capaz de poder ajudá-la, seja lá no que for.



Dois Corações No Divã (Em Construção)Onde histórias criam vida. Descubra agora