Capítulo VI - Família, um Porto Seguro

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No final de semana fui para a casa dos meus Pais, sábado era aniversário de 50 anos da minha mãe. Foi um bela confraternização entre alguns membros da família e os funcionários do rancho. Ao fim da festa enquanto mamãe e minhas tias organizavam a bagunça, eu e meu pai saímos para tomar um licor e conversar. Meu pai era um advogado aposentado de 62 anos. Um homem completamente tradicional, que construiu uma vida sem manchas, mesmo no mundo complexo do Direto. Uma pessoa que estava sempre disposta a ajudar a quem precisa, cansou de trabalhar gratuitamente em favor dos pobres.  Era conhecido como o “Advogado dos Santos” uma alusão aos processos de canonização da Igreja Católica.
–– E como está a vida na cidade?
–– A mesma rotina de sempre Pai.
–– Isso lhe agrada. –– Colocando as mãos em meus ombros e sorrindo.
–– Sim!
Antigamente, eu amava dizer que estava tudo no comando, mas desta vez não fui muito enfático, e meu pai percebeu. Mas ele não entrava em minha vida particular, até que eu lhe contasse algo. E não estava preparado para abrir o meu coração a respeito de Laura, pois nem eu sabia o que estava acontecendo. Mas tentei conversar de maneira indireta.
–– O Senhor já desistiu de algum caso?
–– Sim, alguns. Por quê?
–– Quando alguns clientes queriam mais do que lhe pertencia, ou quando me sentia incapaz de poder ajuda-los.
A essa altura era evidente que meu pai já tinha percebido a minha situação, mas não sabia que isso envolvia uma questão completamente diferente das situações que o fizera abandonar a causa. Então sem mencionar Laura, pedi o seu conselho.
–– Pai, estou com um problema em um determinado caso, não sei se devo me abnegar  e transferir o caso. –– Meu pai ficou surpreso, mas não pensou muito em sua resposta.
–– Eu já passei por isso muitas vezes, nem sempre era tão claro pegar ou largar uma causa. Mas até que cheguei a um caso especifico que fiquei completamente perdido no que fazer. Então uma mulher me disse: “Se o seu coração deseja fazer e não é pecado, então faça!”  Desde então, segui a risca este conselho. Obs: foi sua mãe que me disse. –– Nós dois rimos
–– Realmente, mamãe é muito sábia. Mas ainda tenho uma última pergunta: E quando o caso envolve questões éticas? –– Meu pai pensou um pouco.
–– Uma coisa que aprendi muito cedo no Direito é que nem tudo que é ético e legal é correto. –– Apenas sorri e concordei.
–– Obrigado, Pai!
Fui dormir com mais confiança naquela noite, e inspirado para voltar para casa e ver Laura novamente.

***
Segunda-feira acordei antes do despertador, estava ansioso para ver Laura e continuar nossa terapia. Quando cheguei, Laura estava com uma cara meio desanimada, o que não combinava com o belo laço que estava em seus cabelos.
–– Vamos lá, Laura?
–– Vamos! 
Laura me abraço forte e longamente. Como se quisesse dizer algo pelo abraço. Aliás, eles sempre dizem algo. E percebi que algo a angustiava.
–– Como foi o final de semana?  Laura começou a chorar
–– Podia sentir a sua dor quase que fisicamente, pois nunca tinha visto Laura triste e, de repente, ela descarrega uma grande emoção.
A situação de choro nas terapias é sempre algo delicado. Não existe um Manual para situações como essas. Cada situação é especifica e exige diversos cuidados.
No caso de Laura, eu não podia simplesmente lhe estender um lenço e esperar o choro parar. Peguei um copo com água e quando me aproximei, ela me abraçou, o que retribui de imediato, sem dizer uma palavra é claro. Até que Laura pudesse sentir-se segura. E realmente deu certo, após alguns minutos ela se acalmou, tomou a água e sentou-se. Fui para o meu lugar e tentei recomeçar a sessão.
–– Desculpe-me!  Enxugando o rosto.
–– Tudo bem! Não quis esboçar nenhuma pergunta idiota.
Laura foi direto ao ponto
–– Meu pai chegou de viagem e quer que eu pare de fazer terapia.
–– Por quê?
–– Ele não gostou da ideia de saber que fui ao parque com você. Acha que isso não está certo, como se estivesse acontecendo mais do que amizade entre nós.
Não sabia o que dizer, mas eu também não concordava com essas ideias de Laura, mesmo eu aceitando o convite por algum motivo maluco. Mas se o problema fosse esse, não estava difícil de ser resolvido.
–– Laura, nossa terapia é aqui. Por que não falou para o seu pai que isso foi apenas uma vez?
–– Porque eu não quero que seja apenas uma vez! Não somos apenas terapeuta e paciente, somos amigos, não somos? –– Laura me encara
–– Sim! Mas você sabe que estes passeios não estão dentro do protocolo, e pode ferir a ética da psicologia.
Laura perde a paciência.
–– Ética? É isso o que te preocupa, Tob? Preciso te lembrar de Freud e suas receitas de cocaína? John Watson e o uso de crianças órfãs em experimentos completamente horríveis? E que tal Stanley Milgram e sua Máquina de choque? Eu não sou psicóloga, mas tudo o que vivemos é lindo e verdadeiro. Por favor, não me decepcione com esta história de ética.
Fiquei sem reação, como ela sabia tudo isso? Como pode ser tão jovem e tão forte ao mesmo tempo? Sua retórica era incrível. Ficamos em silêncio por um minuto, até que Laura quebra o silêncio.
–– Meu pai não vai me impedir de vir aqui, a única pessoa que pode fazer isso é você, se me disser que não quer me ver mais, então eu vou embora.
–– Não, Laura! Não quero! Se você está disposta a enfrentar o seu pai e todas as consequências, então não vou impedi-la de vir até mim.  –– Disse olhando fixamente em seus olhos.
–– Obrigado, Tob. Eu sabia que não tinha me enganado a seu respeito. Agora eu preciso ir. Nos vemos segunda que vem ou ainda nesta semana?  Ela sorri e me abraça.
–– Vamos deixar para segunda que vem.
Não consigo acreditar no que aconteceu nesta sessão, mais peças do quebra-cabeça aparecem, o que era para eu ficar feliz e completar o enigma, porém, quanto mais peças aparecem, mais complicado fica.


Dois Corações No Divã (Em Construção)Onde histórias criam vida. Descubra agora