Capítulo IX - Tomada de Decisão

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A morte de Giovana me abalou, passei o resto da semana simplesmente “aéreo”, lia a sua carta todos os dias e me emocionava sempre. Quanta maturidade espiritual! Encerrar uma terapia era sempre maravilhoso. É um sinal de que o trabalhou produziu frutos. No caso de Giovana, o trabalhou produziu muitos frutos, mas foi encerrado de maneira unilateral.
A cada dia que lia sua carta, ia ruminando o meu luto, sua consideração por mim me deixava muito feliz. Após alguns dias, me chamou atenção a observação que ela havia feito em relação a mim, mencionando haver um brilho em meus olhos. Engraçado! Mesmo em meio a um turbilhão de coisas em sua vida, ela possuía uma grande sensibilidade em relação ao próximo.
As palavras de Giovana fez com que meus pensamentos se lançassem novamente para Laura. Afinal, o que está acontecendo? Parece que todos insistem ver algo que somente eu não enxerguei ainda.
Pela primeira vez comecei a me questionar: E se realmente eu estiver gostando de Laura?  Essa pergunta me aterrorizou, pois se a resposta for sim, outras perguntas surgiram imediatamente em minha cabeça: Isso é um escândalo profissional! Como posso ter relação com a minha paciente? O que meus pais vão dizer? Terei a minha carteira de psicólogo cassada. Será o meu fim, como vou adquirir confiança de alguém? Meu Deus, que semana!
No final de semana, não conseguia me concentrar em nada, nem mesmo em ficar parado sem fazer algo. A morte de Giovana ainda era viva demais para mim, e com a possibilidade de estar apaixonado por uma paciente me fez simplesmente não saber o que fazer.
Agradeci a Deus quando o despertador me lembrou que era segunda-feira. Enfim, rotina! Claro que após o almoço, me entristeci, pois minha última paciente era Giovana. Quando deu 17h pedi para não ser incomodado. Ao som de Beethoven fiquei pensando sobre tudo o que estava acontecendo, uma mistura de tristeza por Giovana e ansiedade em relação a Laura. Comecei a perceber que realmente estava apaixonado por ela, e não sabia como agir.
Após sair da clinica, fui direto para a minha “terapia” com Pe. Marcos, hoje abriria o jogo com ele. Após a missa fomos para sua casa paroquial, ele percebeu que estava abatido, pois sabia do caso de Giovana, mas não imaginava o que eu ia lhe contar aquela noite. Depois de me consolar sobre o fato da morte de Giovana, comecei a esboçar alguns sorrisos e uma ligeira melhora no meu humor. Só que não conseguia mais segurar o que estava sentido, em meio à conversa exclamei:
–– Pe. Estou apaixonado! –– Ele me encara por um tempo e abre um grande sorriso.
–– Que maravilha! Quem é a moça de sorte? –– Ele finge não saber
–– Por Laura. 
Um silêncio toma conta do ambiente por alguns segundos. Então o Pe. me questiona:
–– É recíproco?
–– Não sei, acredito que sim.
–– Então viva esse amor! O que te impede? Você é solteiro, ela é solteira. Ambos se amam! Qual é o problema?
–– Padre, por favor, não se faça de desentendido, coloque-se no meu lugar. E se o senhor se apaixonasse por uma fiel?
–– Isso é completamente diferente.
–– Ah, por quê?
–– Eu sou um padre! Não sou solteiro, sou casado. Eu fiz um voto de castidade, e nesse momento prometi toda a minha fidelidade a Igreja. E você? fez algum voto? Se casou? No máximo você tem um código de ética que não o impede explicitamente de tomar tal atitude. Como pode ver estamos em situações bem diferentes.
–– Estou com muitas dúvidas, e se isso for apenas passageiro? O senhor sabe que isso é comum em minha profissão.
–– Comum? Você trabalha com isso há pouco tempo, mas nunca sequer teve uma mera aproximação com alguma paciente. Então, por que justamente Laura? Você acredita que realmente vai ter outras “Lauras” no seu divã? Eu não acredito! Creio que o amor verdadeiro só acontece uma vez na vida.
–– O senhor está dizendo que Laura é o amor da minha vida?
–– Claro que não! Você não descobre o verdadeiro amor até vivenciá-lo. Estou te dizendo que você não pode se refugiar deste sentimento, acreditando que é algo ordinário do seu trabalho. Se quisesse fazer isso, devia ter me ouvido quando te questionei se estava pronto para amar. Agora você literalmente tem um sentimento em suas mãos e, provavelmente alimentou algo em sua paciente, não queira simplesmente dizer que nada aconteceu.
Padre Marcos não me aliviou aquela noite, mas agiu como um verdadeiro pai. Neste momento já não tentava controlar o que sentia por Laura, mas queria saber como resolveria essa situação.
Acordei muito cedo no dia seguinte, era o dia de ver Laura. Quando cheguei a clinica, ela já estava lá. Com um semblante muito sério, pois provavelmente ficou sabendo o que acontecera com Giovana.
Quando entramos em minha sala. Laura rapidamente entrou no assunto:
–– Sinto muito! Fiquei sabendo sobre sua paciente.
–– Obrigado, Laura. –– Ela era uma menina muito especial. ––  Sinto muito a sua falta.
–– Imagino. Se houver algo que eu possa fazer, por favor, me avise.
Laura estava muito diferente nesse dia, seus lindos olhos castanhos me encaravam, como se quisesse acalmar o meu coração. Mas ao mesmo tempo, percebia que ela não estava bem, mas parecia não querer contar o que está acontecendo. Foi então, que no final da sessão, ela simplesmente diz:
–– Creio que está seja a minha última sessão.
Fiquei em choque, não sabia o que dizer. Isso poderia ser a solução do problema, visto que isso estava me matando por dentro. Mas ao mesmo tempo, senti uma tristeza inexplicável, e um flash passou em minha cabeça, me recordando todos os momentos em que eu simplesmente deixei as coisas passarem pela minha vida, amores, amigos, sonhos e etc... não consegui disfarçar minha surpresa.
–– Por quê?  O que houve?
–– Eu não posso mais vir aqui. –– Laura tenta segurar as lagrimas, mas não consegue.
Na hora imaginei que o pai era o problema.
–– O seu pai está te proibindo?
–– Não! Não é o meu pai, eu simplesmente não posso...
Laura levanta-se sem terminar a frase e corre a direção à porta, e num ato instintivo não a deixo sair, simplesmente não posso deixa-la sair nesse estado.
–– Laura, calma, por favor. Venha comigo. Sentamos juntos no divã. E tento acalmá-la.
–– Por favor, não me pergunte o porquê, apenas entenda que eu preciso parar a sessão.
Normalmente, não obrigamos paciente algum falar o que não quer, mas nesse caso eu não estava nem um pouco preocupado com o que diz as regras da psicologia, eu precisava ouvir algo de Laura.
Então esperei ela acalmar um pouco e conversei novamente.
–– Laura, eu não vou força-la a fazer o que não queira, mas você não pode sair daqui nesse estado, pois sou responsável por sua saúde no momento, e seria um erro deixa-la sair assim.
–– Você não entende, não podemos continuar com essa terapia.
–– Eu fiz algo?
–– Não!
Nesse momento, eu acabo cutucando demais a ferida.
–– Então me diz Laura, o que está havendo?
–– EU TE AMO!
Quando ouvi essas três palavras da boca de Laura, meu mundo simplesmente congelou. Saber que ela gostava de mim era uma coisa, ouvi-la dizer isto olhando em seus olhos era mais do que eu podia suportar.
––  Você entende agora?
–– Laura, não quero que vá embora, podemos resolver isso.
Laura se levanta.
–– Não! Eu não o vejo mais como meu terapeuta, e eu não posso continuar me machucando dessa maneira. Você é um profissional, sabe como conviver com situações como essa, mas eu sou completamente sensível e vulnerável.
–– Mas podemos resolver isto. Não há necessidade de parar a terapia, fugir não é a solução.
Laura começa a estranhar a minha insistência, pois parece loucura da minha parte, visto que muitos psicólogos agiriam completamente diferente. Na verdade, eu começo a perceber que estou pisando em ovos.
–– Por que você insiste tanto? Acha que é fácil para eu vir aqui todas as semanas, te abraçar, conversar sobre a minha vida, e ao final do dia saber que somos apenas terapeuta e paciente?
–– Você iniciou isso, você atravessou a linha que nos separa. Não me culpe, Laura!
–– Eu não te culpo, eu sei que sou a única responsável por isso tudo, e por isso sou eu quem deve resolver. E por isso estou aqui, pois não quero prejudica-lo, não poderia me perdoar se isso acontecesse. 
–– Laura...
–– Tchau, Tob. Obrigado por tudo e perdão pelas minhas faltas.
Quando Laura abre a porta, eu simplesmente levanto e digo:
–– EU TAMBÉM TE AMO!
Laura sai de perto da porta e vem em minha direção.
–– O que você disse?
Enquanto abaixo a cabeça e tento explicar o que aconteceu.
–– Sim, Laura! Eu também te amo. Não queria lhe dizer isso, mas é a realidade.
–– Como assim não queria me dizer? –– Enquanto sentávamos no divã.
–– Você é minha paciente, não posso me envolver com os meus pacientes, e nem mesmo sabia se isso era reciproco, enfim, você sabe que não é algo simples assim.
–– Mas acho que isso pode ficar mais simples. Enquanto erguia minha cabeça e sorria.
–– Como?
Então, Laura me beijou. Eu não tive reação, apenas me senti no paraíso. Em seguida como se nada tivesse acontecido, ela foi embora, e eu não lembro de mais nada daquele dia.

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⏰ Última atualização: Nov 28, 2018 ⏰

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Dois Corações No Divã (Em Construção)Onde histórias criam vida. Descubra agora