Capítulo V - Perdendo o Controle

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Antes do “grande dia”, resolvi revisar o caso de Laura, e tentar encontrar alguma coisa interessante, mas não encontrava nada demais. Não quis procurar uma supervisão, pois já sabia o que iam me dizer: “Laura gosta de você”, e eu sabia que isso não era verdade, não como terapeuta, mas como homem.
No Sábado Laura me manda Whats: “Tudo certo para amanhã? Te encontro às 15:00 no Parque. Bjos =)”. Desta vez, eu resolvi responder: “Sim! Nos vemos lá”. E fui tentar dormir.
Acordei antes do despertador, procurei adiantar algumas coisas em casa, e acabei nem almoçando, mas sabia que isso não seria problema. Tomei banho e fui para o parque, cheguei com 10 minutos de antecedência. O frio tinha dado uma trégua, o céu não estava totalmente limpo, estava um belo dia nostálgico. Laura estava estendendo uma grande toalha branca com muitos desenhos de morangos. Também levou um pequeno som, e, finalmente uma cesta recheada de guloseimas, o que me fez aproximar mais rápido.
–– Oi Laura!
Laura levantou-se e me deu um abraço de como se não acreditasse que eu estava ali. Foi um longo abraço. Há muito tempo não sentia algo tão sincero.
–– Fico feliz que esteja aqui. –– Laura comentou alegremente.
–– Eu também estou. –– Já fui sentando e pegando a cesta, quando Laura me deu um tapa nas mãos. –– Não é para agora!
–– O que está fazendo? –– Perguntei indignado.
–– Não se lembra que combinamos de andar de bicicleta.
–– Qual é Laura, eu nem almocei, e como pode ver não tenho uma bicicleta.
–– Isso não é problema!
Laura saiu correndo, enquanto fiquei gritando o seu nome e pensando o que ela iria fazer, até que ela sumiu do meu campo de vista. Depois de alguns minutos ela volta com uma bicicleta.
–– Problema resolvido!
–– Estou vendo! Como conseguiu?
–– Fui até a pista e tinha alguns jovens descansando, e aluguei sua bicicleta por 20 reais a hora, portanto não vamos perder tempo.
Laura Pegou sua bicicleta que parecia a da minha avó com cestinha na frente e saiu disparado.
Então me vi diante de algo que não fazia desde a adolescência. Todo desequilibrado fui atrás dela. Foi uma sensação incrível. Alcancei Laura e ficamos lado a lado. Laura me pediu para segurar sua mão. Não queria fazer isso, mas não posso deixar uma moça falando sozinha, então segurei sua mão e continuamos.
Depois de quase uma hora e meia de passeio não aguentava mais e parei.
–– Estou como fome! –– Já estava quase desfalecendo na bicicleta.
¬–– Eu também! –– Laura também parecia cansada.
Então devolvemos a bicicleta ao garoto e voltamos até nossas coisas. Laura trouxe tanta comida, que parecia que íamos acampar a semana toda.  Nessa hora descobri os seus dotes culinários. Além das frutas e lanches, levou uma torta de palmito com champignon e cupcakes de brigadeiro.
–– Isto está maravilhoso!
¬–– O passeio ou minha torta?
Quase engasgando, e vermelho de vergonha respondi.
–– Os dois! –– Laura Sorriu
–– Vamos ouvir uma música? Já pegando o seu pen-drive
Eu amo música! Sempre acreditei que ouvimos aquilo que somos. Então estava ansioso para ouvir o que Laura gostava. Ouvimos de tudo, em sua Setlist tinha Ed Sheeran, Coldplay, Seal, e também alguns clássicos. De repente começou tocar uma música que fez Laura pular.
–– Eu amo essa música! 
–– Como se chama?
–– Tappeto Di Fragole! É Italiana! A tradução é Tapete de Morangos. –– Comentou Laura
Eu sorri e entendi o porquê da toalha.  Realmente era uma música muito boa, parece que a banda se chama Modà, não entendi uma palavra da música, mas fiquei curioso para ver a letra, com certeza iria pesquisar depois. Então deitamos e apreciamos a sua música favorita.
Eu estava feliz, sabia que o meu superego ia me crucificar depois, mas estava feliz por não renunciar mais um dia da minha vida. Então lanchamos e conversamos até anoitecer. Foi quando vi que Laura não estava de carro
––  Quem trouxe você?
––  Minha mãe. Pois meu pai está viajando.
Nessa hora, fiquei preocupado, pois tinha quase certeza que Laura não tinha falado para os pais que ia ao parque com o seu terapeuta.
–– Mas não se preocupe, ela vem me buscar, falei que o meu terapeuta não teria coragem de levar sua paciente em casa.
–– Ela sabe que está comigo? Fiquei surpreso.
–– Sim!
–– E o seu pai?
–– Não, ele está viajando.
¬–– Por que? –– Laura percebeu que estava preocupado com isso
–– Nada, foi só por curiosidade. Tentei me esquivar, mas ela percebeu, e  preferiu não entrar no assunto.
–– Está ficando tarde e amanhã tenho que ir cedo para clinica.
Laura começa a rir e concorda. –– Vou ligar para a minha mãe.
–– Não! Eu te levo. Faço questão.
–– Se insiste.
Então levei Laura a sua casa, que não era nada perto da minha. Mas foi bom saber que os pais dela sabiam de tudo. Isso não me deixava como suspeito de algo. Quando chegamos, Laura me deu um beijo no rosto e disse:
–– Foi um belo dia para recordar. Tchau!
–– É verdade! Até amanhã.
Fui embora tentando não pensar muito no que tinha acontecido, por sorte, estava muito cansado. Meus domingos sempre fora os mesmos: Filmes, Futebol e Sorvete, ou seja, nunca ia com sono para a cama. Desta vez, tomei um banho e dormi como um bebê.
***
Segunda, após o café peguei o meu notebook e fui pesquisar a música que Laura colocou para ouvirmos na noite anterior, até porque eu também havia apreciado muito e gostaria de saber do que se tratava a letra. Era melhor não ter feito isso! Fiquei perturbado com um trecho:
“Aqui estamos
A olhar as nuvens
Sobre um tapete de morangos
Como faço
Para te explicar se me agito
E me torno ridículo”.

Era evidente que a letra se referia a nós dois deitados no parque. Fiquei em choque, pois sabia que Laura não me amava! Não projetava em mim a possibilidade de um relacionamento. Suas atitudes são estritamente ligadas a sua personalidade e faria isso com qualquer outro terapeuta.
Por outro lado, fiquei chateado, porque se realmente fosse isso, era provável que teria que encerrar a terapia e encaminhá-la a outro terapeuta, pois eu não saberia lidar com essa situação. Mas o problema é que eu queria continuar. Mesmo que isso me cortasse como uma faca. Era o primeiro desafio de minha profissão, não posso deixar terminar assim. Fechei o meu notebook e fui para a clinica.
Pela primeira vez cheguei atrasado. Laura já tinha aderido ao meu perfeccionismo e estava me esperando. Desde então comecei a olhá-la diferente, era difícil disfarçar, eu precisava descobrir o que estava acontecendo.
–– Olá, Laura! Vamos subir?
–– Meu relógio está com problema ou alguém aqui se atrasou?
–– Tive um imprevisto.  –– Brinquei com ela
Hoje estava disposto a tomar a frente, não ia deixa-la divagar a sessão. Queria descobrir mais sobre a sua vida, e já sabia por onde começar.
–– Ontem foi muito legal Laura, você vai sempre com os seus amigos ao parque?
–– Sim! Minhas amigas adoram aquele parque.
–– E onde estão essas amigas? –– Tento permanecer no assunto.
–– Algumas estão namorando, outras estudando, me sobraram umas duas e alguns amigos, como você.
Percebo que Laura se sente à vontade para falar em relacionamentos, até que chegamos à questão de namoro.
–– Nunca namorou?
–– Claro que sim.
–– E o que aconteceu? –– Laura se sente desconfortável pela primeira vez em minhas sessões.
–– Ah, não deu certo.  –– Eu insisto no assunto. ¬–– O que não deu certo?
Ela olhou fundo nos meus olhos quase chorando e disse: –– Ele me traiu!
–– Sinto muito por isso. Faz muito tempo?
–– Oito Meses.
Então faço uma pergunta, que a meu ver é fundamental.
–– E como você vê os relacionamentos hoje?
Pensei que Laura ia titubear e fugir do assunto, mas ela foi muito franca.
–– Não é porque ele me traiu que eu vou desacreditar do amor. Mas desde então nunca mais senti amor por outro homem. Sei que um dia isso vai acontecer, mas não vejo isso num futuro próximo.
Eu sabia que Laura não estava mentindo, mas como ela me via então? Ganhei algumas peças do quebra-cabeça, mas não tinha conseguido montar nem as beiradas, por enquanto. Talvez tenha sido a melhor sessão até então, pelo menos comecei até um norte para trabalhar.
Anoiteceu e fui para a casa do Pe Marcos. Tinha certeza que sua postura ia mudar. Inconscientemente desejava que ele não me pedisse para encerrar a terapia. Quando cheguei ele já estava na porta me esperando.
–– Preciso urgente de uma pizza! –– Exclamou o padre.
–– Padre, antes preciso conversar com o senhor.
–– Ok filho, mas isso terá um preço. Um bom vinho Italiano.
–– Acho que o senhor esqueceu, que eu sempre pago a conta. –– Brinquei com ele
Entramos no confessionário, apesar de nos conhecermos a anos, me sentia seguro naquele ambiente, afinal, dizem que o confessionário é o único tribunal em que o réu confessa os seus crimes e sai perdoado. Coisas de Deus!
–– Padre, estou confuso em relação ao caso de Laura.
–– O que aconteceu meu filho?
Expliquei toda a história do parque e comentei todas as questões pessoais, inclusive a música. Deixei claro que acreditava que Laura não estava apaixonada por mim, mas tinha certeza que tinha que ter algo mais que apenas uma sessão de terapia. O Pe. fez um silêncio de alguns minutos, era um homem de profunda reflexão.
–– Quando descobriu isso, como ficou o seu coração?
Minhas mãos gelaram. Eu não sabia explicar como fiquei, foi uma sensação de alegria e tristeza, sentimentos ambivalentes e constantes. Por isso gostava do confessionário, você podia ter essas inquietudes sem alguém para analisar.
–– Acho que fiquei confuso. Falei com pouca convicção
–– Você pretende continuar com a terapia? –– Desta vez ele não falou com toda a sua tranquilidade, o que me deixou surpreso.
–– Acredito que sim! –– Respondi meio sem convicção alguma.
Novamente ele fez um silêncio, dessa vez maior. O que me deixou assustado. Afinal, qual é o problema de continuar a terapia? Parecia que ele estava prevendo algo. Então, me fez uma pergunta simples, mas que gelou o meu coração.
–– Você está pronto para amar?
Na hora, não entendi direito o que ele quis dizer. Pe. Marcos sempre falava coisas simples, mas com uma profundidade que não era possível compreender no momento.
–– Pe. o que senhor quer dizer com isso?
–– Responda minha pergunta.  –– Fiquei assustado. –– Acho que sim.
–– Então você não está pronto!
–– O que isso tem há ver com o caso?
–– Laura não está apaixonada por você, e pode ser que nunca venha a se apaixonar. Mas você está gostando dela.
–– Pelo amor de Deus padre! –– Comecei a rir e sai do confessionário.
––Vamos o senhor precisa de um bom vinho.
Nunca me envolvi com pacientes, sempre achei isso estranho. Evidente que o caso de Laura me deixava inquieto, mas a possibilidade de me envolver afetuosamente por ela, era quase nula. Acho que isso foi uma maneira do padre encerrar rapidamente a conversa e sair. Então eu mordi a isca e não voltamos a falar do assunto.

Dois Corações No Divã (Em Construção)Onde histórias criam vida. Descubra agora