A neve caía de forma calma, como numa dança. Cada passo que Jeny dava, soterrava as botas nos flocos brancos que cobriam o chão.
Estava atenta a tudo. Os cabelos estavam bem amarrados em um coque que deixava alguns cachos caíndo no rosto e o capuz vermelho de veludo cobrindo seu corpo. Cada passo foi bem calculado. O silêncio era vital.
Jeny escutou o quebrar de um galho e logo virou o rosto para a esquerda, quando viu um vulto. O animal não era muito grande. Dava para matar aquele filhote de veado com uma flecha, se fosse bem precisa.
Pegou a arma e endireitou no arco. Se ajoelhou e mirou. Agora era só esperar o animalzinho sair devagar. Os dedos estavam firmes e quando o veado correu novamente, ela soltou a flecha que foi diretamente no pescoço dele.
— Isso. — sussurrou.
Se aproximou lentamente e observou o novo cadáver. O sangue escorria de onde a flecha havia entrado. A garota puxou e observou o arco. Colocou de volta em suas costas. Se abaixou e passou os dedos sem luva em cima do machucado. Ela sentia muito. Ou queria sentir. Nunca teve remorso de matar os animais daquela floresta. Usava a carne de comida, mesmo sem precisar. Aquilo era apenas uma diversão. Nada pessoal.
Virou o rosto por instinto. Ouviu um barulho. Se afastou devagar do veado e olhou ao redor, preparando o arco, mas quando notou o que era, já estava sendo arrastada pelos pés por um urso pardo que puxou sua perna com a boca. Jeny sentiu os dentes do animal rasgarem sua bota e afundarem em sua carne. Se fosse deduzir, diria que os caninos da fera estava tocando seu osso.
Ela foi arrastada pela neve e uivava de dor. Se virou para atacar o urso com uma adaga, mas ele era grande demais. Tentou se soltar, o que resultou em ainda mais dor. Foi quando pegou uma flecha e colocou na perna do urso, que abriu a boca e jogou Jeny contra uma árvore. Ela sabia que agora iria morrer e sentiu o gosto de sangue na boca quando suas costas bateram contra o tronco. A garota soltou o ar para fora e viu a fera se aproximar ainda mais dela.
Tentou correr contra aquilo, mas sentia dores demais. Quando o animal se aproximou para pegá-la pela garganta, a visão da garota clariou em um branco brilhante e ela pensou estar morta. Sentiu os órgãos parando e achou que agora fosse para o limbo. Foi quando sentiu uma pancada na cabeça e ouviu algo como asas batendo.
Ela realmente estava morta ou sendo carregada para até ela.
~
— Acha que ela vai demorar para acordar? — uma voz masculina sussurrou.
— Se você tivesse sido quase devorado por um urso, iria demorar para acordar? — uma pessoa diferente, que aparentava ser uma mulher, respondeu de forma afiada.
Jeny sentiu a garganta doer quando tentou engolir e abriu os olhos devagar, tentando se acostumar com a luz, mas fechou de novo. Ouviu o mesmo som de asas que havia escutado antes daquilo tudo. Quando abriu os olhos de novo, não tinha ninguém ali.
Ela analisou o ambiente e viu que estava em um hospital. Escutou o bip das máquinas e olhou para si. Não estava mais com as roupas de caça, e sim com uma camisola hospitalar. Seus braços tinham alguns arranhões e a perna machucada pelo urso estava toda coberta pelo lençol. Ficou com medo do que iria descobrir, mas sua atenção foi desviada para a dor que sentiu na lombar. Notou que seu tronco estava imobilizado.
Suspirou e recostou a cabeça nos travesseiros. Por que ela estava viva? Quer dizer, era possível sobreviver a um acidente como aquele? E quem havia entrado ali?
Talvez ela estivesse ficando louca. Tinha muitas perguntas, e por mais que quisesse respostas, esqueceu todas por completo quando a porta do quarto abriu e um homem (que Jeny supôs ser o médico) entrou com uma enfermeira(mais uma vez, ela acreditava ser uma enfermeira) seguindo ele.
A garota sentiu o sangue ficar frio quando olhou para a mulher. Em um minuto era levemente bronzeada e tinha cabelos ruivos. No outro, seu rosto era branco, quase como o crânio, os olhos vazios e as bochechas eram cheias de feridas. A figura fez a garota se estremecer e ela soltou um grito alto. Trazia uma bandeja nas mãos, que eram osso puro e possuíam unhas que se erguiam para trás.
— Calma, Srta. Jenifer. — o médico correu para perto e pôs a mão no peito da garota, que arfava e olhava assustada para a enfermeira. Era impossível não encarar aquela criatura. — Está tudo bem. Tudo não passou de um susto. Você está bem agora.
Jeny olhou para ele. O médico era igual a qualquer ser humano. Não tinha a carcaça daquela... coisa.
Jeny tentou se acalmar, mas estava ainda trêmula e observou o check-up que estava sendo realizado. Respondeu algumas perguntas e encarou eles indo embora. Enquanto o homem fazia tudo aquilo, a enfermeira trocava o analgésico da garota, que agora, tinha medo de tomar o remédio.
Ouviu uma risada abafada que se seguia no canto escuro do quarto, resultando em mais um espanto naquele dia.
— Se fizer essa cena de novo, vão querer acabar com você.
Jeny mudou seu olhar para o local por onde o som vinha. Não dava para enxergar nada daquela parte do quarto.
— Q-quem está aí?
A sombra se levantou e revelou um rapaz com aproximadamente a mesma idade que ela. Cabelos dourados e o rosto pálido. Estava rindo e viu a feição da garota voltar a virar pavor. Ela conseguia ver o outro rosto dele. Era mais feio e obscuro que o da enfermeira. Jeny se encolheu.
— O... que é você?
— Prazer... Will. — ele mostrou dentes extremamente brancos, diferentes aos do seu outro rosto, onde os dentes pareciam podres. — Sou um demônio, Jenifer Queen.
— O-o qu-uê? Como...sabe meu nome!? E... i-isso de demônios... não existe. Eu preciso acordar. Devem ser os analgésicos.
Ele deu outro riso alto, fazendo os ossos de Jeny gelarem, e se sentou naquela cama.
— Vou lhe explicar brevemente. Bom, existem anjos e demônios na terra. Eu sei, é estranho. Ninguém pode nos ver, fora nós mesmos. Temos metas aqui. Nós demônios, matar. Os anjos, cuidar. — ele estalou a língua e colocou a mão na perna machucada dela. — Mas você pode nos ver agora... Curioso. Só alguns tem a Cleeros e o último caso desses foi na época das bruxas. Eu quero saber o seu potencial, Jenifer... e vou saber.
Ela sentiu os dedos dele se afundando em sua perna e chutou aquela braço com a outra. Foi em vão. O demônio já estava do outro lado do quarto. Em um segundo. Como? Jeny não podia nem explicar.
Aquilo era muito. Na verdade, era loucura. Estupidez. Mentira. Um mundo novo... que agora ela conseguia ver? Não era muito convincente. Estava confusa.
Não. Estava louca.
— Isso é estranho. Eu... não acredito em você.
E, mais uma vez, a risada saiu da garganta do demônio alta e estridente.
— Você não precisa acreditar. Vai aprender a conviver com essa verdade. E eu vou estar aqui, junto de você.
O demônio sumiu em uma sombra negra e deixou um frio na sala.
Jeny estava confusa demais. Tonta. Tudo aquilo fizera ela ter enjoos. Era mentira. É claro que era mentira. Só... efeito de remédios.
Resolveu fechar os olhos e ignorar o que estava por vir. Mal sabia ela o que o destino havia reservado para sua vida.
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Good Nigth, Demon!
FantasyJeny é uma aluna normal e uma ótima arqueira quando ninguém consegue ver. Mas, ás vezes, o destino prega peças. E uma dessas vezes, Jeny tinha um urso mordendo sua panturrilha. Quando acorda como um milagre no hospital, ela consegue ver coisas que n...