ㅡ o soneto do teus passos

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O Sol permeava sua luz entre as cortinas do vasto céu da manhã. Sua relutância ainda permitia a presença de uma escuridão amena e sutil, evidenciando o pouco tempo em que a lua desapareceu. Os pássaros orquestravam seu canto, deixando que a sinfonia bela propagasse uma suavidade desconhecida, um sentimento contemplativo geralmente pertecente a matina.

Jimin ergueu-se da cama com uma lentidão quase palpável, os olhos preguiçosos passeavam por todo o cômodo tentando absorver informações com uma velocidade na qual jamais conseguiria acompanhar, uma confusão comum. O mirei discretamente desejando que não me notasse, mas ao vê-lo focar-se em mim, forjei um profundo sono para que não houvesse desconfianças.
Distraiu-se, assim dando-me a oportunidade de observá-lo. O tronco nu flexionava a medida que espreguiçava-se, Jimin odiava pisar no chão frio quando acordava, então dormia com suas meias brancas, caso a chinela não estivesse por perto.

Caminhou minimamente pelo cômodo, talvez na busca pelo moletom preto. Sua pele estava arrepiada pelo ambiente álgido, além do nariz vermelho e os dedos formando nós uns aos outros. Ao correr a cortina para os lados, seu rosto contorceu-se em decepção percebendo que ainda nem era dia. Decidiu deixar assim mesmo, pois quando a luz surgisse, penetraria o vidro e clarejaria todo o quarto, nesse caso, me despertando como planejado. Havia algo de fascinante na maneira como Jimin perdia-se facilmente na simplicidade do amanhecer de um dia. Apoiou os braços na bancada da janela cativado pela ausência de agitação nas ruas, aquilo o inspirava.

Os passos foram seguindo na direção do banheiro, e logo o som da torneira ligada ecoou pelo repartimento. Vi ali uma oportunidade de fugir dos lençóis e levantar finalmente. No entanto, a vontade de assistir o nascimento do sol ao horizonte me atraíra em instantes, fazendo-me fugir pouco a pouco do foco. Por isso, mirei a janela de vidro fulgente, tocando os dedos e fantasiando que poderia tocar o céu daquele jeito.

O bule de chá apitava como alarme de que água no fogo já estava quente o suficiente. Jimin correu até a cozinha receoso de que tivesse perdido a hora, envolvendo o braço do objeto com o pano e o depositando na pia. Estava preparando chá de hortelã, o meu preferido.

Enfiou o isqueiro no bolso para fins incógnitos, abandonando solitariamente a bebida quente e pronta em cima do balcão, continuando seu percurso até a lavanderia. Esperei que sumisse de vista para tomar a caneca nas mãos. A superfície tórrida não me fizera soltá-la, pelo contrário, me senti aliviada, liberta daquela prisão gelada da casa.

Subi as escadas até o terraço, vendo os lençóis brancos estendidos por toda a extensão do varal, ocultando sua figura entre os tecidos. No meio de todo aquela vastidão clara, Jimin encontrava-se encostado no parapeito, fitando a cidade como se pudesse decifrar o enigma de suas luzes infindáveis e a incompreensão de uma beleza quase artificial.

Ametista. ㅡ Sobressaltei, assustada por ter reparado em mim sem sequer olhar pra trás. Meu nome soava como a nota de um acorde rápido e preciso, parte de uma música que eu ainda não entendia.

Andei cautelosamente como se estivesse pisando em cacos de vidro, provocando-lhe um sorriso zombeteiro. Provavelmente ele sabia que eu estava o seguindo desde que despertara.

ㅡ Eu acho que nunca deixarei de amar teu jeito, Ame. ㅡ Ditou. Senti como se uma corrente elétrica alastrasse rapidamente por todo meu corpo e acendesse algo dentro de mim. Coisas que só Jimin seria capaz de causar. ㅡ Desvendou o mistério que te persegue? ㅡ Indagou, voltando-se a mim enquanto tragava o cigarro preso entre os dedos. Jimin fitava-me com um brilho faceiro nos olhos, exibindo o êxtase que era me descobrir ao poucos.

ㅡ Eu acho que sim. ㅡ Alternei o olhar entre sua boca rósea e seca pelo tempo, o cigarro quase no fim expelindo lufadas de fumaça e o olhar de encanto, suavizando a sequência de coisas que o compunha naquele momento. Jogou o resto fora, pisando em cima e assoprando o ar cinzento que esvaia de seus pulmões. Jimin tinha esse jeito quase poético de agir, cada ato seu interpretando um verso preenchido de palavras bonitas. E eu gostava de lê-lo quando podia.

Corri até ele, contornando os braços ao redor de seu corpo, desejando jamais soltá-lo. O calor percorria, acorrentando-nos naquele elo momentâneo e repleto de confissões inaudíveis.

ㅡ Como se sente agora que sabe que não sou perfeito? ㅡ Questionou baixinho, o queixo apoiado em minha cabeça. Não respondi de imediato, consentindo a prevalência de um silêncio ameno, onde nem mesmo a exaltação de nossas emoções pudesse causar som.

ㅡ A graça em amar-te, Jimin, não é só manter a idéia de que as qualidades são tudo em ti. Mas sim admirar teus defeitos e ajudá-lo a se tornar alguém melhor com isso, entende? Eu continuo te amando, e continuarei te amando, até que tudo acabe.

Bordô, JMOnde histórias criam vida. Descubra agora