CAPÍTULO 3: Freud

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A casa onde Joshua saiu começou a desmoronar. Ele ficou observando a madeira se quebrando sozinha e as paredes ruindo. O lugar misterioso onde Helena Shakespeare estava residindo se transformou em entulhos. Ele voltou a encarar a arma que ele segurava firme em sua mão. E se questionou como conseguiu disparar uma bala sem antes destravar a arma. A situação em que ele se encontrava era confusa e incomum. Ele nunca havia vivido algo semelhante. Era como se ele estivesse em um outro mundo. Um mundo paralelo. Ele voltou a lembrar da voz no telefone dizendo sobre as crianças, e focou a sua atenção na segunda casa que ficava ao lado da casa da Helena. Joshua caminhou lentamente e guardou a arma no bolso de trás da calça e rezou pedindo para que não fosse necessário usá-la novamente. Ele abriu a porta da segunda casa e entrou. E conforme aconteceu com a primeira, o interior da casa não era totalmente diferente do que ele imaginava. Mas dessa vez ele reconheceu o local. Era o seu quarto. Mas estava sem janelas e sem portas inclusive aquela por onde ele entrou na casa que desapareceu.

— Eu estava ansiosa para conhecê-lo. — Surgiu uma menina por trás das cortinas. — Sabia que a vida é feita de encontros e conexões?

A garota era semelhante à Helena. Ela também aparentava ter talvez 9 ou 10 anos.

— E me perdoe a minha deselegância. Eu me chamo Amanda Freud. E pelo que eu senti. Você não aceitou nada do que a Helena disse.

— Como você sabe? — Joshua olhava ao redor e percebeu que o seu quarto estava bem arrumado e tudo estava no lugar como ele recordava.

— Todos nós estamos conectados. Quando um encontro é realizado, um laço é formado. — Amanda sorria. — Mas é preciso tomar cuidado com os laços que são feitos. A sua alma pode perecer se muitos desfazerem sem prévio aviso.

— Mas do que você se refere?

Amanda percebeu que o Joshua estava procurando alguma coisa em sua gaveta e que também reconheceu que aquele local era o quarto dele.

— Seus amigos. Seus familiares. Seus amores. Sua vida social propriamente dita. Quando eu disse pra tomar cuidado com os laços me referia ao resultado que pode ocorrer quando muitos deles vão esquecendo você. — Ela apontou para todo o quarto dizendo que aquele lugar era o resultado do abandono.

Joshua entendeu o que ela queria dizer. Muitas decepções o tornou um jovem isolado do mundo. Ele mais vivia preso em seu quarto do que caminhar na rua de manhã. E não por opção. Porque esse fato se tornou uma condição. Os seus pais eram ausentes. Seus supostos amigos desapareciam quando ele mais precisava. Ele ganhava apelidos de mau gosto. A sua aparência não atraia muita gente. As pessoas o chamavam de estranho. Poucos entendiam o que ele queria dizer, e muitos estavam já carregando pedras na mão pra atacá-ló gratuitamente.

— Eu não tenho culpa de ter nascido com a necessidade de ter pessoas ao meu redor.

— Realmente, você não tem culpa. Mas o seu fracasso continuo é sinal de que você merece apenas a solidão do que a multidão.

Aquela frase fez o coração de Joshua tremer. O medo da solidão era real. E era por isso que o sofrimento dele sobre o término de relacionamento era maior. Seu cérebro construía imagens assustadoras de ele morrendo sozinho. Era impossível aceitar alguma coisa do tipo. E era por este motivo que ele tentava ser bom com todos. Ele se esforçava ao máximo para ser interessante para as pessoas ficarem próximo dele. Mas na maioria das vezes as atitudes de boa fé era em vão. E o abandono uma realidade constante.

— Você não sabe o que está dizendo. Eu não sou obrigado a ficar ouvindo uma suposta criança ditando alguma regra ou tentando me dar algum conselho.

Amanda começou a rir da mesma forma que a Helena.

— Negação, negação, negação. — Ela cantarolou. — Até quando vai permanecer assim? Até quando ficará acorrentado no passado?

Joshua percebeu que as paredes do quarto estavam perdendo a cor se tornando envelhecidas. A atmosfera daquele lugar estava começando a ficar obscura.

— Não me faça tomar uma atitude que eu não quero, Amanda.

— Aqui não é a sua boca que manda. São as suas emoções que controla.

Sombras distorcidas nasceram das paredes. Elas tinham um formato humanoide, mas não tinham rosto. As sombras sobrevoaram no teto do quarto em uma alta velocidade. Joshua apontou a arma para elas, mas não atirou.

— O que você quer, Amanda? — Joshua gritou por causa do barulho alto que as sombras estavam fazendo. — Pra que tudo isso?

— Nós queremos que você aceite que mereceu todo o sofrimento que viveu. Apenas a aceitação dos fatos vai te livrar da dor.

— Mas eu não tive culpa. Eu já disse. — Joshua disparou uma bala em uma das sombras, mas nada aconteceu.

— Então, você jamais sairá desse lugar.

Ela apontou o dedo indicador em direção ao Joshua. E as sombras começaram a possuir o seu corpo. Eram demônios que causavam uma distorção do tempo e o espaço levando Joshua ao passado que ele tanto queria esquecer. O bullying que sofria no colégio. A humilhação que sentiu ao apanhar na rua por causa do seu pai bêbado. A exclusão de grupos sociais onde ele não se encaixava em nenhum deles. A família menosprezando seus dons artísticos. Os amigos prometendo amizade eterna e o trocando por qualquer estranho que aparecia. Ele voltou a experimentar todas as dores de forma muito intensa. O seu corpo todo tremia. O seu coração ficou pesado de tantas mágoas. Ele tentou implorar para que Amanda parasse, mas as palavras não saiam de sua boca. Ele se ajoelhou e sentiu novamente o sangue escapar do seu corpo.

— Isso não vai parar. Isso nunca vai parar. Você carregará isso até finalmente aceitar.

Os olhos de Amanda ficaram negros como a de Helena. E o sofrimento de Joshua aumentou a ponto de fazer seus pulmões pararem de funcionar corretamente. Faltava muito pouco para falecer. Ele pegou a Colt 45 com muita dificuldade e apontou em direção a cabeça da menina.

— Me matar não resolve nada. Me matar é a mesma coisa que fingir que tudo isso nunca aconteceu. — Ela sorriu de forma maliciosa. — Eu sou o seu passado. Me matar significa matar você.

Ele disparou uma bala sujando a parede de sangue atrás de Amanda. Ela caiu morta com um sorriso no rosto. As sombras saíram do corpo de Joshua e entraram todas juntas no corpo de Amanda criando um buraco negro embaixo dela sugando-a para baixo na escuridão do abismo. O buraco começou a crescer sugando todo o quarto. Uma porta surgiu inesperadamente em uma das paredes. Joshua correu com dificuldade até a porta cambaleando. Ele abriu a porta e quando fechou presenciou os últimos instantes do quarto sendo engolido por completo por um buraco negro.

 Ele abriu a porta e quando fechou presenciou os últimos instantes do quarto sendo engolido por completo por um buraco negro

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