Certas Noites.

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(Nicole)

     Tem certas noites que mudam tudo. Certas noites que nos ensinam que não é só a lua que tem fases, e que ao contrário dela não podemos viver a mesma fase novamente.
     Nosso ciclo é eterno, cada fase é única, é inovadora, e assustadora pra caralho. Nossa lua nunca ficará cheia de novo, e a lua nova é um evento de uma noite só.
     Eventos únicos, o marco do fim de um ciclo fechado para outro, o momento em que sua vida gira em torno do próprio eixo. Momentos que mesmo que quiséssemos não podemos esquecer.
     Porque eu me lembro daquela noite da festa de Halloween, lembro de como os lábios que calaram minha boca causaram tanto barulho em minha mente. Lembro do cheiro de cachorro molhado que se alastrava pelo carro do Doc. Lembro de chegar em casa e torcer para minha mãe não me ver com aquela roupa. Lembro de subir as escadas e ter a impressão de que os quadros de Jesus espalhados pela casa estavam me encarando.
      Eu nunca me senti tão errada, e meu erro nunca pareceu tão certo. Deitada sob minha cama, pedindo perdão ao senhor por algo que gostaria de poder agradecer.
       Por dentro não saberia dizer se gostaria que essa noite durasse mais ou menos, mas sabia que guardaria ela pra mim. Nunca se sabe como o senhor e a senhora Filhos de Deus Haught reagiriam aos pecados da própria filha.
      Eu me lembro de dormir, de me afundar na minha cama como me afundei em pensamentos, torcendo para o sono silenciar minha mente, e dormir...
       Eu queria ter dormido mais, queria não ter acordado na manhã seguinte. Teria evitado tanta coisa se meu corpo só decidisse dormir, descansar por tempo indeterminado, ou talvez pra sempre.
Mas eu não dormi eternamente
Eu acordei
Acordei com minha cabeça latejando e meus lábios recordando algo que ontem havia sido bom, levantei da minha cama lentamente e senti o desespero percorrer todo o meu corpo quando ouvi minha mãe gritar do andar de baixo:
– Nicole Haught você vai se atrasar! – dizia a mulher subindo as escadas com passos fortes – Rápido garota! Que quando voltar quero saber o que foi que aconteceu ontem!
Fiquei em pé rapidamente, me senti suando frio e me questionando se o Senhor decidiu fofocar da minha vida em alguma das preces da minha mãe.
– Não aconteceu nada mãe... foi só... só uma daquelas reuniões na casa da Wynonna! – disse saindo do banheiro já com o meu uniforme e dentes escovados.
– Então vamos rever essas amizades, porque suas amizades não podem te levar pra esse caminho!
Ela dizia arrumando minha cama mais furiosa que o normal de quando vê a mesma bagunçada. Pego minha mochila e coloco uns livros dentro dela e assim evito de olhar para a mulher ruiva de olhos cansados a minha frente.
– Que caminho seria esse?
– Pecado!
Abro minha boca e nenhuma palavra ousa sair dela. Buzinas ritmadas ecoam da frente da minha casa. Ainda muda me direciono quase que voando para o carro que era dirigido por Dolls.
– Dirige Dolls! Vamos sair logo daqui! – digo ao abrir a porta e me sentar no banco do passageiro.
– Bom dia pra você também ruiva! – disse ele perdendo o sorriso brincalhão ao direcionar seu olhar para mim – Nicole você...
Olho para o lado e vejo minha mãe saindo da minha casa.
– DIRIGE A PORRA DO CARRO XAVIER!!
O veículo saiu desenfreado pela rua, algo certamente inédito já que Dolls tinha o costume de seguir a risca todas as regras.
Quando já estava longe de casa, respirei fundo e me permiti chorar, transformar o peso dos meus ombros em lágrimas. Enquanto meu amigo descansou a mão sob a minha deixando um leve aperto na mesma.
– Eu... Eu não sei o que aconteceu Nick... – disse o rapaz sem tirar os olhos da estrada e muito menos tirar a mão da minha – Mas eu tô contigo, eu tô com você Nicole Haught, assim como você ficou comigo quando eu quebrei a perna e você convenceu meus pais de que foi um acidente e que eu não tinha sido um moleque irresponsável. – Dolls parou o carro na esquina atrás da escola e se virou pra mim – Eu tô com você que nem quando Evan Armstrong me chamou de preto imundo e você quebrou o nariz dele na oitava série! Eu tô com você que nem quando Samanta Miller derramou suco de uva em você e eu convenci todo o colégio de que era a última moda na Eslováquia e derramei o suco em mim mesmo. – nessa hora já estávamos os dois rindo de nostalgia, e eu limpava as lágrimas que ainda desciam pelo meu rosto – Porque eu te amo senhorita cabeça de abóbora, e você é minha melhor amiga, e eu tô pouco me fudendo pra o que tá acontecendo dessa vez, porque eu tô contigo aqui, e a gente passar por cima disso tudo como um trator mais uma vez!
Pulei nos braços do meu amigo sussurrando ,em meio ao que não sei definir ao certo se eram choros ou risos, palavras que também não saberia definir ao certo, mas certamente eram grunhidos de agradecimento.
Me afastei um pouco podendo encarar o rosto confuso e sorridente de Dolls, respirei fundo e deixei que um peso saísse:
– Eu beijei a Waves – disse de uma vez só esperando que o meu amigo expressasse alguma reação – na verdade... – me afastei mais, voltando a me sentar no meu assento – na verdade foi ela que me beijou... ela estava bêbada obviamente!
– Certo... sabe que eu sou seu melhor amigo, e não estou chocado! Além do mais eu sempre consegui ver as faíscas lésbicas saindo dos olhos das duas toda vez que vocês se olham! – assim dei um tapa no ombro dele, e o mesmo começou a rir e sair do carro – Vem me contando no caminho, se não a gente vai se atrasar!
****

– Certo... que noite ein? – disse o moreno após eu narrar a noite anterior.
– É ... – digo rindo envergonhada, talvez eu devesse ter poupado detalhes...
– Mas não é só isso!
– Como?
– Nicole você entrou gritando comigo e chorando no meu carro! Não foi só isso! – ele me olha querendo respostas e eu respiro fundo – Desde que você não me venha com a história de ir pro inferno ou qualquer porra dessas que seus pais ficam querendo meter na sua cabeça, com todo o respeito óbvio!
– Minha mãe sabe Dolls... ela não me disse com todas as palavras, mas eu sei que ela sabe...
– Está me dizendo que Amélia Haught, a mulher do pastor, sabe que sua filha beijou uma garota em uma festa cheia de álcool que hipoteticamente era só uma reunião de amigos?
– Exatamente!
       – Ok, fudeu! Pretende contar pra Wynonna?
       – Pretende me contar o que? – disse a voz familiar atrás de nós, ela poderia ter sido um pouco melhor, com um pouco mais de esforço eu teria tido um ataque cardíaco.
      – Que... que o Dolls vai ser minha nova dupla nas aulas de química! – virei para o rapaz com um sorriso claro de "me desculpa", e ele mexeu seus ombros.
      – O QUE?? VOCÊS VÃO ME DEIXAR FAZER DUPLA COM O DOC??? Como vocês pretendem nos fazer passar de ano desse jeito?? O esquema das duplas está feito desde que nos conhecemos, minhas desculpas mas isso não pode acontecer!
      – Como quiser Wynonna, nada mudou então – viro para o Dolls – acho que vou pegar algumas coisas no meu armário, vejo vocês na aula.
      No caminho me deparei com as líderes de torcida, procurei Waverly com os olhos e a encontrei um pouco mais distante nos braços de Champ, como se a noite anterior nunca houvesse existido.
      E pra morena não havia mesmo, Waverly Earp havia bebido tanto que não era capaz de lembrar de muita coisa da festa. Ela não lembrava da briga com Champ, e muito menos do nosso beijo.
       Quando voltei pra casa minha mãe me interrogou, o motivo? Uma foto, sim, alguém trepou sobe as árvore e tirou uma foto da janela do quarto de Waves.
       Nela a morena já só com roupas íntimas de costas para a janela beijava a garota ruiva vestida com uma fantasia erótica de policial.
      Depois disso minha relação com a minha mãe foi de mal a pior, ela decidiu me autorizar a fazer meu intercâmbio, mas não porque era algo que eu estressada ela à anos, nem porque conversou com outras mães que contaram pra ela das experiências dos filhos. Minha mãe me forçou a fazer o intercâmbio, que antes era meu sonho, pelo simples fato de querer me mandar pra longe da garota misteriosa.
       Minha mãe decidiu que se livrar de mim por oito meses era melhor do que ter uma filha "machuda", meu pai falou algo sobre Deus e algumas tentativas de provar que a filha dele beijando garotas é com certeza um grande motivo para se ir para o inferno, o tipo de conversa que só servia com os crentes pra quem ele pregava.
        Eu fui embora, fui embora porque me neguei a dizer quem era a garota de costas. Fui embora porque Champ decidiu escalar árvores e descobrir o número da minha mãe.
        Foram oito meses longe, e logo hoje, exatamente quando eu volto, Waverly Earp me beija novamente, e as coisas não podiam fazer menos sentido. Meu peito não podia estar mais apertado, e eu não podia estar mais decidida a manter Waves o mais longe de mim, porque já consegui evitar problemas pra ela uma vez, mas não sei se conseguiria uma segunda.

All Of Me. (Wayhaught)Onde histórias criam vida. Descubra agora