A Cisão da Mente

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      "Olho em volta e o que eu vejo   

     Parece que todo o mundo tá ficando um pouco louco      

     E eu sei que não é possível que estejam todos loucos menos eu     

     Então acho que sou eu quem está ficando um pouco louco"      

     'Crazy' - The John Butler Trio     

     Desde o primeiro momento em que eu pus meus olhos nele, decidi que gostava dele. Isso queria dizer algo, por que eu não gosto muito de ninguém. Não posso me permitir gostar ou confiar em alguém. Não mais.

     Ele chegou se esgueirando uma manhã, cabeça baixa, olhos voltados para o chão, ombros tensos e totalmente tentando parecer que não existia. Eu o vi aparecer na porta e rapidamente escorregar para a poltrona que Magda indicou pra ele. Não olhou em volta, fez barulho ou falou qualquer coisa. Só se sentou ali, tentando ficar o mais ereto possível nas almofadas flácidas da poltrona listrada de branco e azul. Ele juntou suas mãos, as entrelaçando firmemente, e as colocando cuidadosamente no seu colo, seus dedões voltados para o teto. Pouco depois, as separou e uma delas foi em direção à sua boca, onde ele começou a roer suas unhas. Então, como se percebesse a extensão de seu hábito, removeu seus dedos de sua boca e entrelaçou outra vez suas mãos no seu colo. Ao invés disso, passou a brincar com seus dedos. Meus olhos se desviaram de suas mãos, que me distraiam, para seu rosto. Deus, ele era jovem. Muito jovem pra estar num lugar assim. Ele devia estar bem fodido. Seu rosto era pálido como se estivesse sob a luz do luar. Virei a cabeça para analisar seus olhos. Sua fronte até podia se parecer com a luz do luar, mas definitivamente não haviam estrelas em seus olhos. Havia um tom de avelã, eu diria. Não conseguia ver, mas não precisava. Eu simplesmente sabia. Além disso, ele tinha toda aquela coisa de "pobre bebezinho" em seu rosto, mas, ao menos, não estava explorando isso. Nos meus primeiros dias, eu teria morrido pra conseguir ter essa carinha de "pobre bebê vítima".

      Uma risada estridente ecoou pela sala e ele deu um pulo. Assustado, olhou cuidadosamente para cima apenas para ver que todo mundo estava vidrado na estúpida televisão. Ele rapidamente deu uma olhada em volta, concluindo que todos estavam assistindo TV. Eu não. Eu ainda estava o assistindo. Foquei em seus lábios nesse momento. Imediatamente, pude perceber que eles já haviam tocado os de outra pessoa e fiquei desapontado. Porém, não havia amor em seu rosto. Não haviam pistas de quem o havia beijado nem em seus olhos, nem em sua boca, nem em sua alma. Ele havia escondido essa memória dentro de si e isso, particularmente, me irritava bastante. Quando pessoas escondem coisas, então têm que realmente procurar para reencontrá-las. Já caso tenham as perdido, extraviado ou colocado em outro lugar, ainda podem acabar tropeçando nelas.

      Como seu primeiro beijo. Se tiver sido uma boa memória, você não tentará escondê-la – apenas a colocará em um local diferente. Se você ocultá-la, nunca mais vai esbarrar nela. Porém, se você se esquecer um pouco ou deixar ela se extraviar, você nunca saberá quando ela pode voltar. Nunca saberá quando ela irá aparecer no seu subconsciente e te fazer uma ótima surpresa. Todavia, se tiver sido um beijo ruim, você tenta esquecer essa lembrança ou perdê-la para nunca mais tropeçar nela. É um bocado triste, na verdade, quando as pessoas se esquecem de perder a memória e são assombradas por elas pelo resto de suas vidas. Mas o cérebro não é como um sistema de arquivamento ou um grande túnel com duas saídas dizendo "guardar" e "se livrar". Você não pode arquivar fisicamente suas lembranças, não pode decidir de verdade quais você perderá pra sempre e quais simplesmente serão colocadas no lugar errado. E eu sou o único que sabe disso, então, naturalmente, sou o único que sabe como fazer isso.

      Quando estou muito entediado e o Jasper não está aqui, eu ordeno e arquivo as memorias da semana, mas em grande parte do tempo eu só as deixo ir. Não é grande coisa desde que você tenha desvendado o segredo pra isso. E eu aposto que se mais alguém tivesse conseguido fazer isso, teria sido bem inovador. Imagine ser capaz de perder as memórias de um acontecimento trágico da infância ou esquecer todas as mortes que você já presenciou. Pense no que um médico ou alguém que trabalha numa ambulância não daria pra ser capaz de esquecer coisas assim.    

A Splitting of the Mind (Tradução)Where stories live. Discover now