"Ah, bom dia, Gerard!"
Por dentro me revirei, mas por fora mostrei à moça da cantina meu sorriso mais amável enquanto pegava minha bandeja. Ignorei suas tentativas persistentes de me fazer conversar com ela e fiz meu caminho até minha mesa. Sim, era a minha mesa. E ninguém senta na minha mesa sem a minha permissão. Ninguém.
Olhei para baixo na direção do meu miojo de frango. Que sorte que dessa vez não era sopa de letrinhas. Caso contrário, eu podia garantir que Ray iria anunciar que conseguia ver uma mensagem nela. Talvez seja por isso que pararam de servir comidas com letras. Eu fiz meu habitual silêncio pela retirada da sopa de letrinhas do menu antes de cuidadosamente desempacotar minha colher de plástico. Segurei-a firmemente já que definitivamente não queria derrubá-la. Por que aí eu teria que pegar outra colher . E eu particularmente não queria fazer isso.
"Ei! Ben, Magda, Suzie! Rápido, venham ver isso!", a voz de Ray soou pela cantina. Eu bufei enquanto Ray se afastava cuidadosamente de seu macarrão. "Olha, é uma mensagem!"
Eu sabia que podia contar com Ray pra achar mensagens em qualquer coisa. Só esperava que não tirassem macarrão definitivamente do menu. Eu até que gostava de macarrão.
Assim que terminei, encarei a tigela, olhando o restinho de pequenos corós brancos, me perguntando pra onde iriam e em qual oceano acabariam. Tirei meu caderno de rascunhos de dentro do bolso da minha jaqueta e o abri em cima da mesa. Peguei meu lápis e encostei-o na minha língua antes de pressioná-lo na página. Não havia nenhuma razão artística em particular por trás disso. Só um hábito, na verdade. Comecei a rascunhar o garoto novo de cabelos escuros. Ele era muito desenhável. Ele tinha as feições perfeitamente moldadas e a beleza não-capturada de um modelo, do meu próximo modelo. Não desenhei seu corpo. Eu queria que os contornos ficassem corretos. Tinham que ser exatos. Fazê-los errado ia ser desastroso. Mas ele estava empacotado, assim como todos nós, com jaquetas, cachecóis e calças compridas. Eu não estava com frio, só usava a jaqueta por que me obrigavam. Preferia minha camisa preta social de abotoar com uma gravata. Mas isso era só nas terças e quintas. Veja, só em dias começados com T eu poderia usar gravata*. Nos outros dias, eu ficava com os moletons. Eles são muito bons com roupas nesse lugar. Você pode usar o que quiser, com algumas condições. Quero dizer, eles não permitiriam que um maníaco depressivo usasse gravata e nem o deixariam sozinho no banheiro com ela, né? Mas eles confiam em mim. Sabem que não vou me matar em nenhum um desses próximos dias. Eu ainda não descobri o significado da vida e eles sabem disso.
"Ahn, oi"
Minha cabeça pareceu se mover muito mecanicamente. Na verdade, era até meio engraçado isso. Olhei para cima, na direção do menino de cabelos negros. Aquele com o olhar triste e os lábios tragicamente beijados. Grunhi e olhei para baixo novamente. Parei de riscar com meu lápis um segundo e ouvi a pesada e assustada respiração do garoto, o que me fez sentir um pouquinho de simpatia. Me perguntei qual cuidador teria o mandado conversar comigo. Provavelmente Ben. Olhei para Ben e ele estava me olhando também. Yep, foi ele que encorajou o menino a fazer isso. A única questão era: por que? Claro, quer dizer, se ele queria falar comigo, okay. Não ia responder, mas também não ia chutar ele no saco e rir enquanto ele rolava de dor no chão.
"Posso me sentar? Por favor?"
Eu acenei com a cabeça e ele se sentou na beirada do assento oposto a mim. Ele simplesmente ficou encarando o chão. Então se levantou bruscamente e correu pra longe. Confuso, retornei ao meu desenho. Pouco depois, voltou e se sentou novamente. Ficou, dessa vez, e me assistiu desenhar até que uma das cuidadoras se aproximasse e o dissesse algo. Ela saiu e ele a seguiu. Me perguntei aonde estaria indo. A próxima coisa no estúpido cronograma eram os banhos, e não faltava menos do que uma hora pra isso. Vi Ben se aproximar e quando ele passou, escutei-o murmurar "Obrigada, Gerard, por não ter sido um babaca".
Não consegui me concentrar todo o resto do tempo. Por que Ben estava agradecido por eu não ter sido babaca com o garoto novo? Por que era tão importante que eu fosse qualquer coisa, menos um babaca com ele? Será que eu ganharia pudim extra depois do jantar?
Na hora do banho, esperei até que eu fosse o último, como de costume. Obviamente, ali os banheiros não podiam ser fechados, haviam muitos garotos suicidas sob vigilância, então eram só semi fechados. Não ligo pra como queriam chamar isso. Eu tomo banho sozinho, e eles deixam, na maioria das vezes. Cruzei as pernas enquanto permanecia sentado no banco esperando até que a última pessoa acabasse e se recolhesse.
"Sua vez, Gerard", Ben disse.
Olhei-o com um olhar de confusão. Ele sabia que eu ia por último. Eu sempre ia por último. Último queria dizer que o estúpido do garoto novo devia ir antes de mim, se não eu não seria o último. Dei de ombros, continuando a desafiá-lo.
"Já foi todo mundo", ele disse. "Só falta você".
Franzi a testa e fui eu mesmo olhar os banheiros. Certamente, estavam vazios. Então pra onde foi o garoto novo? Eu tenho certeza que não o tinha visto ali. Não pude evitar imaginar se havia alguma razão pra ele tomar banho separado. Estava me lavando, sem colocar muito esforço nisso, quando Ben me interrompeu. Fiquei vermelho brilhante, mas Ben ignorou minha aparente falta de roupas e se apoiou numa das paredes que separa as duchas.
"Preciso te pedir um favor", Ben disse, num tom muito sério. Sabe, isso não é muito normal. Geralmente ele era muito tranquilo e despreocupado, mas agora parecia diferente.
Desliguei o chuveiro, dando a ele toda minha atenção. Qualquer coisa pra facilitar minha vida nesse lugar. Ele me estendeu uma toalha e eu a enrolei ao redor da minha cintura, ainda o olhando e esperando.
"Sabe o garoto novo? O Frank?"
Ahhh, o nome dele era Frank. Interessante. Acenei positivamente.
"Todos nós achamos que ele ficaria petrificado de medo quando te visse". Ben riu da minha expressão de ofendido. "Mas ele não tem tanto medo assim, e isso nos deixou muito surpresos, ainda mais considerando a razão pela qual ele está aqui. Não, não posso te falar qual é. É pessoal. Mas a gente preferia que ele andasse com você do que com o Ray ou alguém dos outros caras, okay? Ele ainda tem medo de você, mas pelo menos está tentando fazer amigos".
Nessa hora, dei uma passo pra frente e sacudi violentamente a cabeça em protesto. Não queria amigos. Não precisava de amigos. Eu não iria me tornar amigo daquele garoto. Ben pareceu chateado.
"Você não precisa ser amigo dele, Gerard", ele disse, enraivecido. "Por mais que isso fosse ajudar ele, se você não consegue fazer algo tão simples, então nem se incomode com isso". Envergonhado, olhei para baixo. "Você é mesmo tão frio quanto dizem, né?". Sem esperar uma resposta, ele flexionou seu maxilar e saiu.
Sim, eu sou mesmo tão frio quanto dizem. Pessoas como eu não podem ter amigos. Pessoas como eu não podem deixar os outros se aproximarem. Pessoas como eu não precisam de amigos. Só tente pensar no que aconteceria se eu tivesse amigos. Será que ele não percebe quão fatal isso seria para mim? Eu o olhei ir embora, me sentindo culpado pra caralho. Enquanto saía do banho, defini como minha missão pessoal descobrir o que trouxe Frank a lugar como esse.
*No idioma original, terça-feira e quinta-feira são tuesday e thursday, respectivamente, ou seja, começam com T, assim como gravata (tie).
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A Splitting of the Mind (Tradução)
Mystery / ThrillerGerard Way vê o mundo de uma maneira diferente. Sozinho e institucionalizado, ele afirma que está sendo assombrado e que sua mente guarda a chave da existência. Será que ele realmente possui um segredo de tamanho poder? Ou ele só é insano como todo...