O pedido

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Otávio encarava o teto de seu dormitório no quartel, as luzes estavam apagadas e seu colega de farda dormia tranquilamente no beliche de baixo, seus olhos acesos demais para se apagarem. Ele não conseguia parar de revisitar a noite que tivera. Sem medo de ser visto, ele permitiu que um sorriso largo e tão bobo quanto o de um adolescente apaixonado se formasse abaixo de seu bigode.

Casar. Ele iria se casar. Justo ele, o homem que entrou para o exército na tentativa de fugir desse verbo. E o melhor: se casaria com alguém que amava. Não era um casamento de fachada, algo pensado apenas para garantir sua boa imagem perante os maus olhos daquela cidade. Era um ato de amor, uma prova do quanto seu coração se sentia livre para entregar-se a outro homem.

O major prensou seus lábios para conter a risada que soltou ao lembrar-se de como tudo aquilo começara. Ele só iria se casar com Luccino, justamente porque foi à oficina fugir de sua noiva. Uma coincidência tão improvável. Era libertador pensar que não havia o que temer, ele sabia que estava feliz e sabia o motivo daquela felicidade. Há pouco, havia dado ao homem de sua vida a única lembrança que tinha do que pôde chamar de sua primeira família. E agora, estava prestes a formar uma nova. Era uma família com uma configuração um tanto inovadora, mas como Luccino um dia lhe disse, existe família de sangue e a família que a gente escolhe. E não poderia haver alguém melhor do que aquele italiano para ser sua família.

Amanhã seria um novo dia, após o expediente no quartel, Brandão o ajudaria a levar suas malas para a pensão. Seus pertences eram poucos, não passavam de algumas roupas bem cuidadas e seu equipamento de esgrima. Ele nunca fora muito adepto de compras desenfreadas, mas volta e meia, se permitia ser mais elegante. Quando a companhia pedia, é claro.

No entanto, Luccino permaneceria na casa de Brandão e Mariana. Otávio precisou conter outra risada, ao se lembrar de como chegaram a essa decisão. Mariana falou em forma de piada que era indecoroso os noivos morarem juntos antes do casamento, e que ela tinha a obrigação de proteger a moral dos amigos. Mas de certa forma, a ideia parecia correta. Era óbvio que depois da noite do baile de máscaras não havia mais uma moral a ser protegida, mas aquelas tradições eram as únicas coisas que poderiam permanecer imutáveis no noivado de dois homens. Se tudo teria de ser rearranjado, se as pessoas sequer poderiam saber de tal união, por que não manter o protocolo como qualquer outro casal?

Esse direito eles tinham. E ambos concordaram em não abrir mão.

Brandão e Mariana riram quando perceberam que os dois realmente levaram a piada a sério, mas tinham de admitir que era um tanto romântico serem o abrigo de Luccino antes de entrega-lo a outro homem.

Bem, aquele não era o único protocolo que Otávio pretendia seguir. Quando voltava para o quartel, começou a ensaiar mentalmente sua fala para pedir a mão de seu amado. Era bobo, com toda certeza. Mas era a única forma que tinha de dizer que se importava com o que a família de Luccino pensava sobre o relacionamento deles. Seu Gaetano o mataria se Otávio cometesse tamanho despautério, mas Dona Nicoletta seria mais tranquila. Apesar do major saber que não teria coragem para falar com ela. Ela amava o filho e queria que fosse feliz, mas aprovar um casamento com um homem era algo completamente diferente. Não, Otávio não a importunaria com suas besteiras. Assim que terminasse de deixar as malas na pensão, iria atrás de Ernesto e Fani, os irmãos de Luccino o apoiavam e faziam gosto de seu relacionamento, era mais correto falar com os dois sobre tal coisa.

Um pensamento correu pela mente do militar, algo tão simples, mas que tinha força o suficiente para arrancar-lhe o sorriso do rosto: não haveria túnel de espadas em seu casamento. Ou melhor, não poderia haver a possibilidade de ter.

Diferentemente de Brandão, que teve o gosto de ver os soldados o homenageando na saída da igreja, ele não poderia dar tal honra a Luccino. Era amargo pensar que quando esteve prestes a se casar com uma mulher que não amava, lá estavam os soldados. E agora, quando finalmente encontrou alguém que lhe fez entender o real significado de amar, seria necessário esconder de seus colegas de farda.

Pra vida toda, amore mioOnde histórias criam vida. Descubra agora