Cicatrizes

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Otávio acordou com o sol começando a querer se mostrar no céu e, ao se virar na cama, percebeu que Luccino não estava mais ali. O militar suspirou fundo ao lembrar que precisava se aprontar, logo seu expediente no quartel começaria. Ele se levantou rapidamente, ajeitando a cama da melhor forma que conseguiu, e foi atrás de suas roupas, que continuavam no mesmo lugar em que as deixara na noite passada. Ah... A noite passada. Um misto de sensações e sentimentos. Havia felicidade em seu peito, por conta da oferta de Luccino para levá-lo até sua cidade natal, mas também havia uma inquietude que o major não sabia como nomear. Estar com seu noivo daquela forma novamente fez aqueles desejos estúpidos se arrastarem para fora do túmulo onde Otávio os enterrou.

"Pare de bobagem, algo assim jamais poderia acontecer. Quer que Luccino ria de você?" Ele pensou enquanto vestia sua blusa branca, logo passando para a calça. Sabia que seus pensamentos além de impróprios eram tolos. Um verdadeiro despautério. E quando terminou de vestir a farda, se olhou no espelho. Aquilo era a única coisa que lhe conferia respeito, não se fosse a patente, jamais seria levado a sério por alguém. E Luccino o conhecia além da farda. Não existia encanto no verdadeiro Otávio, muito menos... imponência.

Ele empurrou aqueles pensamentos para o abismo em sua mente onde era o lugar deles e saiu do quarto. Na cozinha, Dona Nicoletta e Luccino tomavam café, tranquilamente.

- Bom dia, dorminhoco. – O italiano brincou após soltar sua xícara na mesa quando viu o major. E Otávio lhe respondeu com um "Bom dia" acanhado.

- Major Otávio! – Dona Nicoletta exclamou como sempre fazia, mas com um sorriso ainda mais largo e gentil. – Venha, sente-se. Tem café quentinho.

E como ele poderia recusar tal pedido? A mamma dava a qualquer pessoa aquela sensação de acolhimento, e isso era tudo que o militar mais ansiou em toda a sua vida. Sentir-se confortável. Em um lugar, em uma casa, em um abraço.

Ele ousaria dizer que fora o melhor café da manhã que tomara em toda a sua vida. Ainda parecia impossível acreditar em tudo que estava acontecendo. Tinha medo de uma hora acordar e perceber que não passava do sonho mais lindo que sua mente já inventou: noivo do melhor homem do mundo, inserido em sua família, amado por mais pessoas do que poderia imaginar.

E, depois daquela refeição tão significativa, ele e Luccino se despediram da mamma e foram juntos até onde a estrada lhes permitia. Quando tiveram de se separar para que cada um chegasse no seu local de trabalho, o mecânico roubou-lhe um beijo discreto e saiu apressado, sem dizer mais nada, deixando para trás um militar com um sorriso bobo estampado na cara.

Quando chegou no quartel, foi direto para a sala de Brandão, tentando não transparecer a alegria que carregava.

- Bom dia, coronel. – Ele disse com uma expressão séria no rosto, conforme bateu continência para seu superior.

- Bom dia, major Otávio. – Brandão lhe respondeu muito mais descontraído, já possuindo um sorriso nos lábios. – Vamos, homem, sente-se e me conte como foi o jantar.

- Foi ótimo, coronel! – O major deixou toda a sua animação transparecer, ele segurava seu quepe com uma leve força, como se precisasse de algo para manter as mãos paradas. – Todos foram muito gentis, aceitaram de uma forma que não imaginei que fosse possível. E Ema falou que vai ajudar Mariana com os preparativos.

- Bom, se Ema está envolvida em um casamento é porque dará certo. – As risadas que ambos deram impediram que percebessem que alguém estava chegando. – Eu fico muito feliz Otávio, você e Luccino merecem esse apoio. Tenho certeza de que a cerimônia será linda.

Pra vida toda, amore mioOnde histórias criam vida. Descubra agora