Um Grito na Noite

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     Um grito inumano rasgou a escuridão da noite. Arrancou Dromenons de seus pesadelos. Ele deu por si sentado e com a arma em mãos. Olhou as árvores ao seu redor. O vento chacoalhava as folhas vagamente. A lua era um fino desenho no céu. Escutou, nada. Meus malditos pesadelos! Pousou a pistola sobre o chapéu no chão. Preparava-se para deitar novamente quando o grito se fez ouvir mais uma vez. Agora mais ao longe, mas ainda inumano. Vinha do leste e malditos demônios não eram de seus pesadelos, eram reais, estavam ali naquela mata.

     O sol ainda demoraria a nascer, mas Dromenons não dormiria sem descobrir o que era aquilo. Levantou-se. Apanhou o sobretudo que usava como forro para dormir sobre a grama e o jogou nos ombros. A pistola foi para o cinto, o chapéu para a cabeça. Dormenons avançou na escuridão da mata. Para o leste. Os sons da noite o acalmavam. Grilos, pássaros ao longe. Começou a ouvir o coaxar de sapos e em instantes alcançou um pequeno lago. De repente, no meio da mata, surge uma estrada. Não como a que ele percorrera durante o dia. Aquela ali era uma estrada sem uso frequente, a vegetação começava a crescer por ela. Para à esquerda a estrada sumia-se em linha reta, mas à direta havia uma curva não muito longe de onde ele estava. Começou ir em direção à curva. Assim que dobrou aquele pedaço da estrada topou com uma pequena carroça destroçada. Somente a carroça, sem nenhum animal ou condutor. A carroça parecia ter sido rasgada ao meio por algo de força descomunal. Era como se um tronco tivesse caído sobre ela e com o impacto a tivesse partido. Havia lascas de madeira por todos os lados.

     Dromenons aproximou-se mais. Viu queijos espalhados pela estrada. O carregamento da carroça! Ele vasculhou a mata ao redor com olhos astutos. Era bom observador, mas nada viu. A noite já era densa e as altas árvores não colaboravam com ele. O vento que fazia galhos e folhas dançarem aumentou de forma repentina. Dromenons segurou o chapéu. Seu sobretudo quase foi arrancado de cima de seus ombros. Em meio ao barulho da mata se agitando com o vento ele ouviu um gemido de dor. Em um rápido movimento mecânico sacou a pistola. Apurou o olhar para o local de onde desconfiava ter vindo o som. Foi então que viu.

     - Mas o que é você!? – Exclamou.

     A figura não se moveu nem falou. Era um corpo fracamente distinguível na escuridão embrenhado na mata. Um corpo esguio apoiado em um tronco. Segundos passaram. Dromenons encarando a figura e imaginando que também era encarado por aquele ser. O vento se abrandou. Ele fez menção de erguer a pistola e fazer pontaria. O corpo apoiado na árvore tremeu. A mente de Dromenons já vira coisas demais. Enquanto aquele corpo não se revelasse um demônio vindo do inferno para busca-lo ele não teria medo. O que sentia era mais um desejo de descobrir o que havia acontecido ali. O que era aquele corpo? Eram dele os gritos? E a carroça?

     Vamos acabar com isso! Ele ergueu a pistola. Tinha o corpo na mira. Ouviu-o gemer de novo.

     - Saia! – Ordenou Dromenons. – Venha até a estrada!

     O corpo não se moveu.

     - Arranco você dai na bala. Saia, demônios!

     O corpo esguio deixou o tronco que usava de apoio. Tentou mover as pernas. Tinha movimentos trêmulos. Um passo, dois... Caiu. Foi um baque surdo na terra, seguiu-se um gemido que fez Dromenons recuar. Uma mulher?

     - Ajude-me. – A voz era fraca, mas era uma mulher.

     Ele ainda hesitou por uns segundos. Ela repetiu o pedido, dessa vez em um tom mais fraco. E acrescentou "Estou morrendo." Dromenons guardou a pistola e entrou na mata. Agachou-se ao lado da mulher e tocou seu ombro. Ela estava caída de bruços. Ele a virou. As marcas! Demônios! O que teria causado aquelas marcas? Ele a pegou nos braços e levou-a para a estrada. Deitou-a na vegetação rasteira que cobria o caminho.

     - Quem é você?

     - Ajude-me!

     Nua e com a pele marcada por incontáveis arranhões a mulher parecia ter escapado de leões famintos.

     - Quem fez isso a você?

     Ela apenas balançou a cabeça levemente em um movimento que dizia "Não sei". Respirava com dificuldade. Dromenons olhou para a estrada. A carroça estava seguindo por ela. Morava perto?

     - Onde mora mulher?

     - Depois do rio... o vilarejo...

     Dromenons passou o braço ensanguentado da mulher por seu pescoço e a pegou do chão novamente. Caminhava rápido. Não queria vê-la morrer em seus braços. Sentiu as mãos pegajosas de sangue. Todo aquele corpo sangrava. E aquele rosto! Vagamente Dromenons distinguiu feições nas sombras da noite. Os olhos pareciam olhar para o vazio. Ele passou sobre a ponte que surgira na estrada com passadas largas. A mulher parecia que havia desfalecido. Chamou-a por duas vezes. Duas vezes não teve resposta, mas sentia seu corpo ainda quente e via o movimento que o peito fazia. Ela ainda respirava.

     Passos depois da ponte ele ouviu cachorros. O vilarejo estava perto! O dia estava perto de chegar calculou Dromenons, mas o que chegou primeiro foram os cachorros. Grandes cães de caça que vieram da escuridão da noite como assassinos vingadores. Rosnados e latidos estridentes rodearam ele e a mulher em seus braços. Se a soltasse os cães a pegavam, mas com ela nos braços eles pegariam os dois. Dromenons ainda pensava quando um tiro calou os cães e uma voz cortou a escuridão.

A TRIBO DAS SOMBRASOnde histórias criam vida. Descubra agora