Sombras

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     O grupo que deixou o vilarejo tinha cinco homens e uns vinte cães de caça. Dromenons caminhava mais atrás do grupo. Todos armados com adagas, rifles, pistolas e sabres. Menos Dromenons que portava apenas sua pistola com capo feito em marfim, coisa rara que conseguira no oriente. Ninguém dos homens falou com ele, mas os olhares de mais cedo não aconteceram. Só os cães, no início, alguns estranharam a presença do forasteiro, mas quando alcançaram a carroça já estavam acostumados com ele.

     - O que querem exatamente? – Quis saber Dromenons.

   - A carga. Viu como vivemos. Somos pobres. O queijo é nosso produto mais caro, não podemos perde-lo.

     - Tem algum dinheiro aqui também – disse outro homem.

     Dromenons não ficou com eles para ajudar a carregar a carga. Quis acompanha-los por outro motivo. Embrenhou-se na mata no local onde tinha visto o corpo surgir na escuridão da noite. Passou pelo lugar onde a mulher tinha caído, pelo tronco em que ela havia se escorado.

     - Ei! Aonde vai? – Gritou um dos rapazes.

     - Voltem sem mim.

     - Isso é perigoso.

     Ele não respondeu mais e foi cada vez mais se enfiando na mata. A barra de seu sobretudo se enroscava nos arbustos baixos. Devia ter pedido ao menos uma faca emprestada aos homens. Os cipós fechavam seu caminho. Dromenons chegou a uma área de mata menos densa. Notou as grandes pedras, enormes paredões de pedra recobertos de vegetação. Caminhando no meio delas viu-se perdido em um labirinto. Quando deu por si não via mais árvores, somente as pedras. A luz do sol deixava o lugar como uma fornalha. Dromenons tirou o chapéu e enxugou o suor da testa. Voltar, pensou ele e tentou fazer o mesmo caminho que usou para entrar, mas não saiu, acabou encontrando um lago no meio dos paredões de pedra. Sede, notou ele. Mas assim que tocou a água sentiu seu calor.

     - Demônios! – A raiva era maior por ter-se deixado se perder do que por a água estar quente. Logo ele! Um homem tão treinado e habilidoso em andar na mata. Devia ter deixado um tipo de trilha para voltar, mas na verdade quando começou a notar que se tratava de um labirinto ele já estava perdido.

     Olhou para uma pedra. Pode ser que sim, pensava. Aproximou-se e tentou escala-la. Estava no meio do paredão quando um pedaço da rocha se soltou e ele se viu com pouco apoio. Tentou recolocar o pé em outro ponto da rocha, mas foi em vão. O corpo pesou, os dedos escorregaram e, para ajudar, do nada uma forte rajada de vento soprou dentro do labirinto de rochas. Dromenons despencou.

     Abriu os olhos e era noite.

   - Demônios! Demônios!! Demônios!!! – Sua ideia original era sair dali ainda durante o dia, dormir a noite na vila e depois partir para Vulzon, mas esses planos despencaram da pedra com ele.

     Levantou-se. Colocou a mão na cabeça, sentia o hematoma. Quanto tempo fazia? E agora? Para que lado? E o pior, sem ver nada. Começou a caminhar tateando o paredão de pedra. Estavam quentes ainda. Calculou que não havia muito tempo que a noite tinha caído. Dromenons chegou a um ponto onde sentiu uma leve brisa. Parou, voltou-se para o lado de onde o vento vinha e foi naquela direção. Distinguia a imobilidade dos paredões de pedra na noite e os poucos arbustos que insistiam em tentar crescer naquele cenário rochoso. Estacou onde estava quando começou a sentir algo mais. Levou a mão ao cinto no mesmo momento em que a mente recordou-se dos gritos na noite passada. "Bandidos e espíritos." Ouviu a voz de Simas dizendo. Bobagem pensou. Mas então o que era aquela sensação? O que ele sentia? Sim, era uma presença.

     E a presença se moveu. Dromenons via os vultos das pedras e arbustos e agora via aquela sombra que se movia. Parecia vir até ele como um bêbado tentando se equilibrar. Era lento e cambaleante. Sacou a pistola, mirou na estranha sombra que se movia. Medo? Não, curiosidade. Era o assassino da mulher? E quem era esse maldito assassino? Manteve a arma firme, esperou ter certeza que não erraria. Disparou.

     Pássaros levantaram voou do topo dos paredões de pedra. Talvez assustados com o tiro, talvez com o grito de Arrax Dromenons ao ver a sombra se partir ao meio quando a bala atravessou e mesmo assim continuar vindo na sua direção. Agora eram duas. Recarregar! Sua mente pensou automaticamente. As sombras caminhavam do mesmo modo, embriagadas. Dromenons recarregou a pistola.

     - Demônios! – Exclamou ao sentir seu corpo tremendo. Que maldição era aquela?

     Disparou em uma das sombras.

    - Malditos demônios! – Gritou vendo as três sombras cambaleando em sua direção. Recarregar não dava mais. Correr, pensou. Virou-se para trás. Escuridão, sombras, as paredes de pedra. Tudo negro, tudo pouco visível.

    A primeira sombra o tocou. Mesmo na escuridão, apenas tentando adivinhar as paredes de pedra, Dromenons correu. Esbarrou em um dos paredões, trombou de frente em outro, mudou a rota, amaldiçoou a si mesmo, pisou em algo que molhou seus pés. O lago! Continuou caminhando, foi afundando, com a água pela cintura olhou para trás. As sombras vinham. Ele sumiu. De repente o lago ficou fundo e Dromenons não sentiu mais o apoio para os pés. Afundou na água. A escuridão também ali. Nadou para a superfície. Colocou a cabeça para fora e viu as sombras entrando na água.

     - Demônios!

     Afundou novamente e resolveu encontrar o fundo do lago escuro. Foi fundo e lá encontrou uma fraca corrente. Lembrou-se do rio que cortava a estrada. Havia um rio ali perto. Tinha ligação? O rio e o lago nas pedras tinham ligação? Ele iria arriscar. Seguiu a fraca corrente, ela foi aumentando. De repente Dromenons era sugado pela força descomunal da água. Foi arrastado por uma galeria de túneis rochosos e já estava praticamente sem ar quando o túnel o jogou no rio. De dentro das águas turbulentas Dromenons viu a fraca luz do fio de lua no céu. Com braçadas exaustas saiu na superfície do rio. Deixou-se ser levado pela correnteza até conseguir chegar à margem. Esforçou-se para se arrastar para fora do rio e quando estava a uma distância segura se rendeu ao cansaço. Caiu de costas nos pedregulhos e adormeceu.  

A TRIBO DAS SOMBRASOnde histórias criam vida. Descubra agora