A Entidade Esmeralda

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      Dromenons deixou o vilarejo levando vários metros de corta fina nas costas e um novo par de botas cedidas a ele pela Velha. Os vigilantes olharam mudos enquanto aquele estranho homem partia novamente para enfrentar o desconhecido da mata densa. Ele partia para o mesmo lugar do qual retornara destruído mais cedo. "Louco," pensavam, mas ninguém pronunciou palavra. Dromenons levava uma adaga rústica dada a ele pela Velha. Era o que usaria para arrancar um pedaço da esmeralda do paredão de pedra. "Só o suficiente," preveniu a Velha quando ele saiu, "Se tirar mais... As sombras viram atrás." Só o suficiente.

      Os destroços da carroça tinham sido puxados para a beira do caminho pelos vigilantes. Dromenons embrenhou-se na mata naquele ponto. Andava rápido. Tinha em mente terminar aquilo antes da noite. Os sons da natureza o rodeavam. Em algum lugar distante dali macacos gritavam nos galhos, pássaros exibiam seus cantos e um rugido que Dromenons tomou por algum felino calou os demais barulhos por uns instantes. Ele estranhou a demora em encontrar as pedras, antes, na outra vez, parecia que tinha trombado com elas com uma caminhada menor. Estava começando a achar que se perdera quando viu surgir diante de si uma enorme parede de pedra. Dando a volta encontrou a entrada daquele labirinto que segundo a Velha eram ruínas de um palácio nativo.

      Dromenons não reconheceu a entrada. Possivelmente existia mais de um caminho para conduzir ao interior dos destroços. Olhou as pedras. Gigantescos muros rochosos recobertos de musgo, cipós, arbustos e outras plantas que lutavam para florescer ali. Depois de encontrar a árvore mais próxima da entrada Dromenons amarrou a ponta da corda em torno de seu tronco e partiu para o interior das ruínas desenrolando a corda. Para voltar usaria como guia aquela corda fina. Sabia que talvez todos aqueles metros não seriam suficientes, mas era uma ideia que valia arriscar. Por dezenas de vezes viu-se perdido. Entrava em um beco e descobria ser sem saída. Encontrava encruzilhadas pelo caminho e não sabia por onde seguir. Um gavião cortou o céu crepuscular e soltou um grito estridente. Dromenons enxugou o suor da testa e conferiu sua pistola. Sua mente trazia as sombras diante dele constantemente. As lembranças persistiam. Cogitou voltar e continuar na manhã seguinte, mas ao virar-se para trás viu que sua corda havia sido cortada a alguns passos de distância dele. Sacou a arma novamente.

     - Quem está ai!? – Gritou em fúria.

     Nada o respondeu. Ele puxou a ponta cortada até chegar a suas mãos. O corte era preciso, como feito por uma lâmina bem afiada. Dromenons voltou alguns metros pelo caminho procurando a outra parte da corda, mas não encontrou nada. Foi puxada!

     - Demônios!

     O céu ainda tinha raios de luz, mas no interior das ruínas a escuridão começava a rastejar pelos paredões de pedra. Ele tentaria novamente, como da outra vez iria tentar subir em uma das pedras. Usou a pouca luz do sol poente para encontrar uma pedra em que havia apoios mais resistentes. Encontrou uma com cipós e arbustos crescendo nela. Pareciam firmes. Dromenons começou a escalar. O hematoma na cabeça não latejava mais graças a Velha, mas ele não pretendia precisar dos serviços dela mais uma vez. Tomou o dobro do cuidado que costumava tomar. Alcançou o topo da pedra e ficou paralisado com o que encontrou lá em cima.

     No topo da pedra existia uma fenda que percorria toda a extensão do paredão. Era mesmo possível? Uma leve brisa de ar quente saia da fissura. Caberia um homem perfeitamente por aquela fenda. Com uma rápida olhada no topo das demais pedras Dromenons notou que todas possuíam a fenda. Eram passagens secretas dentro das paredes do labirinto. Olhou o céu que agora era habitado por estrelas e pela lua que se desenhava como um simples risco de meio circulo. Com aquela pouca iluminação Dromenons só podia ver vultos de paredões e arbustos lá em baixo. Dentro da fenda ele não via nada, exceto escuridão. Mas sentia o ar quente que saia do interior das rochas.

     Agachado ao lado da fenda, no topo da parede de pedra, Dromenons procurava as sombras abaixo de si. Sabia que uma hora ou outra elas apareceriam, mas não esperava que surgissem ali em cima, ao seu lado.

     Vinham rápido. Dromenons não teve tempo de pensar. Ia descer o paredão, mas as sombras o alcançaram primeiro. Foi como se tivesse sido atropelado por uma forte rajada de vento. Tudo ficou negro por um tempo, não se via nem a lua. Perdeu o equilíbrio, as sombras haviam passado por ele e agora seu corpo tombava como se tivesse sido surrado. Caiu para dentro da fissura. Agarrou-se em uma pedra da beirada e tentou voltar para cima, mas a pedra soltou-se e Dromenons despencou na escuridão.

     Por aqueles instantes que caia no vazio negro imaginou que teria sua coluna destroçada quando chegasse ao chão, mas ao invés disso sentiu seu corpo se enroscar no que se pareceu com grossas teias de aranha. Por um momento ficou preso naqueles fios emaranhados e sentindo insetos correndo sobre seu corpo. Aos poucos os fios foram se partindo e Dromenons despencou novamente. Dois metros depois estava no chão. O ombro doía, mas não parecia nada grave. As teias das aranhas tinham amortecido sua queda. Abriu os olhos e sentiu a luz o cegando. Uma intensa luz esverdeada, que depois de seus olhos se acostumarem com a claridade ele notou, vinham das paredes de pedra, aquelas pedras eram esmeraldas.

     Na mente de Dromenons não fazia sentido. As esmeraldas brilhavam como se tivessem luz própria. Aquilo não era possível. Aos poucos seus olhos foram se acostumando e Dromenons começou a notar os desenhos entalhados nas paredes de esmeralda. Eram como as pinturas dos homens primitivos. Parecia representar uma espécie de procissão em que todas as pessoas retratadas carregavam oferendas. Dromenons sentia o ar quente sair das paredes enquanto caminhava seguindo a direção em que a procissão seguia. Sentiu que aos poucos o chão ia descendo, chegou a um ponto onde desceu um lance de degraus, fazia curvas leves no percurso. E sempre a sensação de que descia cada vez mais estava presente.

     O corredor terminou em uma larga abobada em pedra negra. Mas no centro daquele vazio de rocha Dromenons viu a estátua de quatro metros de altura entalhada em esmeralda, a mesma esmeralda de brilho intenso das paredes do corredor. Ele se aproximou da escultura e notou que se tratava de uma figura feminina esculpida na pedra. A mulher segurava uma adaga na mão direita e uma corda na esquerda. Dromenons soube, era a deusa daquela tribo extinta. Olhou ao redor. Vários túneis terminavam naquela abobada. Dromenons encarou a luz dos túneis. Que espécie de esmeralda era aquela que tanto brilhava? E por que a abobada era em pedra negra? Ele olhou para cima. Escuridão, apenas escuridão. Mas como? Com todo aquele brilho da estátua era ao menos para se ver o teto da abobada. Dromenons pressentiu algo se movendo lá em cima. Recordações o fizeram tremer. Estreitou os olhos. Em sua mente os pensamentos se atropelaram. Será?! Ele viu algo escuro se mover. Era uma Sombra? Libertou a adaga que trazia e olhando para a estátua desferiu um potente golpe no pé da entidade de esmeralda fazendo uma lasca do tamanho de sua mão se soltar. A pedra caiu no chão e tilintou. O som ecoou pela abobada e as sombras gritaram. Um grito inumano, dilacerante, perturbador, como aquele que o acordou na noite em que encontrou a mulher.

     Não era uma sombra. Eram milhares. Dromenons paralisou por alguns segundos enquanto via as sombras se mexendo como formigas no teto da abobada. Conforme elas se moviam se revelava a pedra brilhante do teto por baixo de seus corpos.

     Ele pegou a lasca da esmeralda e guardou num dos bolsos de seu sobretudo. Disparou correndo em direção ao túnel que o levou ali. As sombras desciam das paredes como gigantescos aracnídeos e Dromenons era o alvo. Ele havia profanado aquela espécie de templo para a tribo. Entrou no corredor sem olhar para trás. Podia sentir a avalanche que vinha sobre ele. Subiu os degraus e aumentou a velocidade. Não tinha ideia de como sairia dali, mas se parasse as sombras o pegariam. Continuou correndo, passou pelo local que tinha caído e entrou em território desconhecido. Cruzou várias bifurcações, passagens estreitas, nas paredes de esmeralda viu os mais variados desenhos, desceu por degraus gastos e então o túnel terminou em um precipício subterrâneo. Olhou para baixo e só via escuridão. Na sua frente havia rocha negra e ele pensou ter visto um túnel lá também, mas sabia que não conseguiria saltar. A distância era grande. Olhou para trás, para o túnel de esmeraldas cintilantes, sabia que era impossível voltar por ali, as sombras já estavam perto, então olhou para baixo novamente. Acalmou seu coração que estava disparado pela corrida, fechou os olhos e saltou para o fundo do precipício.

A TRIBO DAS SOMBRASOnde histórias criam vida. Descubra agora