O sol já havia nascido há certo tempo quando Dromenons chegou à entrada do vilarejo. Sem chapéu, com o hematoma latejando, o sobretudo rasgado e só com a bota do pé esquerdo. Parou diante dos homens que vigiavam a entrada do vilarejo e ali caiu. Quando voltou a abrir os olhos estava em uma das casinhas de barro do vilarejo. Um pesado cheiro de incenso dançava no ar. Havia uma velha enrugada ao seu lado. Ela tinha olhos fundos e um pescoço fino adornado por uma larga trança feita com cipós.
- Quem é você? – Balbuciou Dromenons.
- Me chamam de curandeira... – A voz parecia sair raspando de sua garganta. – Mas você deve ter ouvido alguém aqui falar na Velha. Somos a mesma pessoa. – Ela sorriu sem dentes nem ânimo. – Fiz um curativo em sua cabeça. Vai viver.
Dromenons sentou-se na cama de palha em que estava. As paredes da casa da Velha eram cheias de estranhos adereços pendurados. Crânios de animais, ramos de plantas secas, cerâmicas antigas. Em um canto ele viu uma prateleira com diferentes frascos de barro. Havia desenhos nas paredes. Estranhas inscrições que, para Dromenons, pareciam feitas com sangue.
- Estes símbolos – disse ele levantando-se e indo checar mais de perto. – Já vi parecidos.
A Velha continuou sentada num banquinho baixo próximo à cama.
- São de tribos nativas.
- Daqui?
- Do lugar que você viu.
- As pedras. – Lembrou ele.
- As ruínas de pedra. – Afirmou ela com sua voz raspada.
- Aquilo são ruínas?
- Antes do homem chegar aqui... Construindo com barro e madeira, os nativos usavam pedras para erguerem suas casas. O que você viu são as ruinas de um grande palácio nativo. E as sombras... Elas são as almas dos nativos.
Dromenons olhou para a Velha. Aquelas coisas Simas não tinha dito a ele. O velho escondeu ou simplesmente não sabia? Dromenons notou o olhar da Velha penetrado nele. Ela queria dizer mais.
- São as sombras que atacaram a mulher? – Perguntou ele para dar corda.
- Elas atacaram todos... Todo mundo.
- Há quanto tempo o vilarejo está aqui?
- Muitos anos.
- E por que os ataques começaram só há um ano atrás?
- Tínhamos um amuleto. Foi roubado.
- Quem roubou?
- Forasteiros... Um dia vieram. Ficaram duas noites. Um pequeno grupo. Antes de partirem limparam tudo que tínhamos de valioso, os desgraçados. Entraram em todas as cabanas... Da minha levaram alguns objetos brilhantes. O amuleto era um deles. Uma entidade nativa esculpida em uma peça de esmeralda. Os ataques começaram na semana seguinte. – Ela fez uma pausa. Dromenons não falou, via que ela não tinha acabado. – Desde então nunca mais alguém tinha saído vivo daquela trilha durante a noite, por medo não usam durante o dia também... Mas ai você está aqui agora... Me falando que viu as ruínas.
- Vi.
- Não é um homem comum.
- Este não é um lugar comum.
- Espíritos existem em todos os lugares.
- Mas eu só vi aqui. E não sei se acredito no que meus olhos viram.
- Pode não acreditar em seus olhos... Mas acredita em seus nervos, e eles tremeram quando avistou as sombras, não tremeram?
Dromenons estremeceu com as lembranças.
- Tremeram mais quando atirei e ela não caiu. Partiu-se virando duas. – Caíram em um silêncio que começou a incomodar Dromenons. Ele olhava o incenso queimando numa vasilha de barro quando perguntou: - Nunca tentaram recuperar o amuleto? – Demônios, pensou, para alguém que até a noite passada não acreditava em espíritos ele estava crendo muito naquilo agora.
- Não tem como. Não sabemos quem eram, nem para onde foram. E o mundo é grande, sabe disso.
- Você parece ter conhecimento nessas... artes. Por que não tentou forjar outro? – Demônios!
- Tentei. Mas a pedra não era a certa. Preciso da esmeralda da tribo. Essa pedra só é encontrada lá dentro. Em um dos paredões.
- Por que os vigilantes não buscam?
A Velha esboçou o que pareceu um sorriso de desdém.
- Escutou a parte em que eu disse que você é o único homem que voltou vivo e são de lá? Os outros que se embrenharam na mata... Ou não voltaram para casa ou voltaram loucos... Sem voz... E morreram meses depois. E também os vigias do vilarejo não sabem disso. De nada... Não sabem da tribo que existiu, nunca entraram naquela parte da mata. Não sabem que eu tinha um amuleto que nos protegia da fúria dos espíritos nativos também. Se eu contar vão embora por medo, já que eu estaria assumindo a existência desses espíritos. Acredite... Alguns aqui não acreditam, mas se eu disser... E se forem embora morrem de fome... Tudo que eles têm está aqui.
- Sei como é isso. Até ontem não acreditava. – Ele fez uma pausa, pensou e perguntou: - Tem certeza que essa parede de esmeraldas existe lá dentro?
A Velha balançou a cabeça afirmativamente.
- Então vou te trazer um pedaço desta pedra. - Dromenons agiria novamente pelo coração.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A TRIBO DAS SOMBRAS
PertualanganConto concluído. No meio da noite densa um grito acorda um homem que viajava pela floresta. Decidido a descobrir de onde vem o som inumano ele se embrenha na mata e sua escolha de ajudar pessoas simples o coloca frente a frente com algo que ele não...