6- Daniel

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A água corria fria sobre seus pés. Começaram a rir e a atirar pedras sobre a superfície da água, como o riacho não era largo, quatro metros mais ou menos de largura, as pedras quicavam algumas vezes sobre o manto cristalino e caíam na outra margem. Eram momentos como esses em que Daniel percebia o quanto era bom ter um irmão.

Ele amava Nicolas. Mesmo esse sendo deveras... estanho? Mas exatamente naquele momento, em que os dois se encontravam rindo, ele não conseguia imaginar o irmão, como o menino que empurrara o primo, Pedro, de cima da jabuticabeira. E quando Pedro contou que foi empurrado por ele, Nicolas pediu-o para mentir, dizendo que Pedro escorregara e caíra sozinho. Naquele momento, não parecia que ele colocava coisas nojentas na comida do pai. Naqueles momentos, Nicolas era apenas, Nicolas, meu irmão.

Depois de algum tempo Daniel sugeriu que voltassem ao trabalho, pois o pai não demoraria mais. E não demorou muito mesmo, pouco mais de uma hora e meia o pai retornou. Foi até o rio, lavou o rosto e aproximou-se dos meninos. Deu uma longa e demorada olhada no que eles haviam feito e balançou a cabeça:

"O que vocês estavam fazendo? Brincando, não era? É sempre assim eu deixo vocês fazendo um servicinho de nada, saio e quando volto vocês não têm feito nem um décimo da tarefa..." Isso é uma mentira, Daniel queria dizer, essa foi a primeira vez que não ficaram somente trabalhando. O pai começou a ladainha de sempre, chamando-os de preguiçosos, canalhas, essas coisas... Mas foi aí que para completa incredulidade de Daniel, o irmão resolveu falar dessa vez...

"Nós somos seus filhos e não seus escravos. Ajudaria no trabalho se você não fosse tão hipócrita e trabalhasse também. Não somos seus burros de carga..." O pai que se aproximara de Nicolas e o encarava, interrompeu nesse momento o irmão com uma grande bofetada. Nicolas não se aguentou sobre as pernas e caiu. Ao levantar o rosto, Daniel viu que o golpe arrancara sangue da boca do irmão.

"Você me respeita que eu sou seu pai. E enquanto eu estiver lhe alimentando você é minha propriedade... E que isso sirva de exemplo a você também" O pai se virou para Daniel. E foi aí que Daniel lutou para não gritar. Nicolas que ainda segurava sua enxada, levantou a no ar e preparou um golpe certeiro na nuca do pai. Suas mãos tremiam... Daniel visualizou o pai estirado no chão com a cabeça estourada e os miolos labuzados naquele solo negro... Porém Nicolas hesitou e baixou a arma.

O Ogro pegou sua enxada e os três continuaram o trabalho. No entanto Daniel não conseguia esquecer a imagem do irmão erguendo enxada para matar o pai. Naquele instante ele não reconheceu seus olhos, Nicolas parecia possuído...

Mas...

... Teria sido uma coisa ruim se Nicolas tivesse matado o Ogro? Esse pensamento assustou Daniel, e pelo resto do dia, pelo menos, ele não conseguiu esquecê-lo...

O tênue brilho da inocênciaOnde histórias criam vida. Descubra agora