2- Daniel

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   O irmão de Daniel não era um garoto comum. E o pior era que ele sabia disso.

Daniel encontrava-se sentado à sombra do velho carvalho esgalhado que ficava no quintal da casa. Estava ali a mais de uma hora. Simplesmente parado. Observando. Não que houvesse algo excepcional para ser notado, ele apenas observava o nada. A contemplação da vida era suficiente para mergulhá-lo profundamente em devaneios e reflexões.

O irmão, mesmo os dois sendo muito próximos, saíra sem chama-lo. Todos os dias era assim. Nicolas sempre sumia por um tempo. Mesmo quando o pai os obrigava a fazer as mais árduas tarefas, ele sempre conseguia um tempo para dar uma volta. Daniel não se importava muito com isso. Nessas horas ele também tinha seu momento só dele. No entanto, às vezes, o prego da curiosidade sofria bruscas marteladas da desconfiança, e nessas horas ele queria saber o que o irmão estava fazendo. Mas nunca se atrevera a segui-lo. Simplesmente se aguentava. A vida já era triste de mais para ele ainda arranjar uma briga com o irmão, a única pessoa que realmente parecia gostar dele.

É claro que sua mãe o amava também, porém ela parecia gostar mais do Ogro.

De onde estava ele a viu. A mulher se encontrava a uma pequena distância pondo algumas roupas no varal. Um cabelo loiro, um rosto fino e bonito, um corpo magro e um par de olhos azuis turquesa eram as características dela. Como ele a amava. Ela olhou pra ele e sorriu. Ao encará-la ele viu a marca rocha em seu olho esquerdo. Vestígios da noite passada em que mais uma vez o Ogro chegara alterado. Antes ele só bebia álcool, mas a pouco tempo Daniel soube que o vizinho vinha dando a ele um pozinho mágico. E ele já pegara o Ogro aspirando esse pó. O que lhe custou um tapa na cara.

Nesse dia, o Monstro tinha ido à cidade fazer as compras do mês. Por morarem a vinte quilômetros de distância da cidade grande, escolhiam um dia do mês pra comprar os mantimentos. E uma coisa já podia se ter certeza. A mãe prepararia a comida cedo. Eles comeriam e assim que ouvissem o barulho da velha caminhonete se aproximando, ela os mandaria para o quarto. E lá eles ficariam apenas ouvindo... às vezes vinham gritos, outras vezes pancadas, e até coisas quebrando... E uma coisa era certa, sempre vinha choro... 

O tênue brilho da inocênciaOnde histórias criam vida. Descubra agora