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Eu nunca me imaginei nessa situação.
A cidade é deserta de madrugada, somente anjos e demônios trafegam suas ruas, claro, além de mim.

Minha respiração está pesada e eu estou sentindo uma angústia que me queima por dentro, me queima apesar de todo frio que está fazendo, eu estaria tremendo se não tivesse que continuar pedalando, tenho que salvar uma pessoa que amo, tenho que convencê-la de que á amo, tenho que aprender a fazer isso pois eu nunca me imaginei nessa situação.

Levanto pequenas poças d'água conforme pedalo, o barulho da bicicleta me deixa mais desesperado, o frio me convence de que estou sozinho e o vento sopra meus cabelos alimentando minha solidão.
Tenho pouco tempo, tenho que chegar lá, tenho que abraçá-la antes deles, tenho que salvar uma pessoa que amo.

Pego impulso e pedalo o mais rápido que meus ossos permitem, deixo uma lágrima escapar de meus olhos e os fecho com força, abri-los me levou de volta à realidade e isso foi doloroso, quem me dera poder fechá-los e simplesmente dormir até isso tudo acabar, mas espera, não é exatamente isso que estou tentando evitar?

-Eu sei que você se sente como um fantasma. Sei que é difícil. Você tem se afastado de todo mundo, acha que é um peso para nós? Quem fez você acreditar que está sozinha? - Tento ganhar tempo e consola-la o máximo que uma ligação permite.

Tudo que escuto é um leve sussurro quase inaudível, tudo que escuto é um grito de socorro que surda meus ouvidos e me faz pedalar mais rápido, o cansaço pode esperar, a morte não.

-Aguenta firme, por favor, aguenta só mais um pouco. - Tento mais uma vez e essas palavras soam tão suaves que eu me pergunto se ela as ouviu.

A rua escura enfim abre mão de sua perdição e eu encontro uma referência, estou perto da casa dela.

Mas espere. Já tem alguém na frente de sua casa, por que ela não avisou que ligou para outra pessoa além de mim?

Quando me aproximo percebo que não é exatamente uma ajuda. Pauso a ligação torcendo com todas minhas forças que ela não diga nada enquanto estou fora.

A garota enfrente a casa dela se vira pra mim com um sorriso que me faz chorar toda vez que me lembro de que nunca o verei novamente.

-Oi, o céu tá lindo essa noite, não é? - Ela disse sorrindo pra mim e logo em seguida para o céu, apertando seus braços forte em uma tentativa falha de se aquecer.

Parando a bicicleta eu apoio meus pés no chão. A olho de cima a baixo, e apesar de tentar evitar, começo a chorar.

-Ei, não chore, já chorou tanto por mim.

-Eu nunca vou te perdoar, Valentina.- Ferido, cada palavra me machuca, cada palavra me destroça por dentro, prefiro ser levantado pelo pescoço do que ouvir o que a garota em minha frente tem a dizer.

-Não posso exigir seu perdão, nem mesmo eu fui capaz de me perdoar... Ei, saca só as estrelas. Elas parecem tão vivas, mas na verdade, já morreram há muito tempo... Adivinha com quem se parecem?

-Não, não, você não pode brincar comigo desse jeito, por favor, PARA! Eu imploro, Valentina. - Clamo, eu não suportarei ver isso acontecendo de novo, eu preciso abraçá-la, preciso dizer o quanto eu me importo, preciso dizer o quanto eu á...

Tarde demais. Valentina não está mais lá, desapareceu, mais uma vez.

Os sons do meu choro abafam qualquer pensamento. Uma facada em meu peito doeria bem menos, inspiro e antes de me dar conta, expiro juntamente com mais lágrimas.

-Você vai desistir de mim?

O chamado foi um choque, me dou conta novamente do que está acontecendo em minha volta. Me lembro de que preciso continuar. Levanto a cabeça, respiro fundo, limpo as lágrimas e enfim respondo:

-Eu nunca vou desistir de você. Estou entrando na sua casa, aguenta firme, Alice.

Alice E ElesOnde histórias criam vida. Descubra agora