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Eu sinto medo enquanto toco a maçaneta da casa de Alice. Medo de fracassar mais uma vez.

A porta aberta expõe o desinteresse de Alice em sua própria segurança. Isso me preocupa.

Olho em volta e vejo o que é um claro cenário de uma adolescente morando sozinha. Alice costumava dar festas aqui antes deles chegarem. Eles? Bem, é a forma que eu me refiro aos motivos que levam alguém à esse estado, é como eu me refiro aos problemas, as dúvidas, ao medo, eles são o que eu preciso arrancar dela esta noite, ou pelo menos fazê-la se esquecer de que estão aqui.

Olho para o lado e vejo a escadaria que leva até seu quarto.

-Estou entrando. - Aviso pela ligação, e falo alto o bastante para ela ouvir além de seus fones.

Cada vez que piso em um novo degrau da escada ele emite um ruído de madeira velha. Quase como o de uma porta enferrujada se fechando. Desconfio de que poderiam não me suportar, mas não estou em condição de perder meu tempo com isso.

Acelero o passo e me concentro no que vou dizer quando ficar frente a frente com ela. Tento ensaiar em meu pensamento.

Não dá tempo. Estou encarando a porta do quarto de Alice, seria sinistro dizer que sinto mais frio aqui que lá fora?

Toco na maçaneta. Ela está tão fria que chega a ser estranho.
Enquanto eu a toco percebo que o estranho frio agora congela meus pés, até por dentro das meias.
Diria, se estivesse louco, que tem água submergindo do chão.

Tento ignorar meu pensamento ridículo, mas quando o olho pra baixo, a extremamente fria água já molha minha calça.

Estou enlouquecendo? Não sei. Preciso chegar até Alice antes deles, meus devaneios podem esperar.

Abro a porta pensando em de onde está vindo essa água e temo que seja do outro lado, olho e demoro um pouco a acreditar no que estou vendo, só então me dou conta do tamanho da estranheza da cena em minha frente, só então a reação do susto me atinge, fecho a porta extremamente rápido e tropeço para trás. Caio mergulhando na água que fica cada vez mais alta, o que está acontecendo aqui, ou comigo?

Preciso me levantar, a água gelada começa a me afogar, em espasmos tento me apoiar em qualquer coisa, a água esta subindo rápido demais, o que molhava a ponta das minhas calças, agora molharia até meu pescoço se estivesse em pé, socorro, eu preciso de ajuda.

Consigo me levantar com um impulso de força que nem sabia que tinha, abro a porta novamente e toda a água jorra por ela, aos poucos me recomponho.

Enquanto a água vaza passando por meus pés percebo que estou chorando pois as lágrimas quentes fazem um absurdo contraste entre o calor e o frio. Eu só queria entender o que está acontecendo.

Simplesmente estou entre o corredor da casa de Alice e o que parece ser o mar de um lugar frio e tempestuoso, de longe enxergo a silhueta de algumas montanhas cobertas de neve, é dia do outro lado da porta, mas a neblina densa me impede de enxergar qualquer detalhe. A temperatura é fria ao extremo e se eu der mais um passo, caio na imensidão do mar.
Agora que a água da casa já se esvaziou, penso em ir embora daqui e nunca mais voltar depois dessa experiência.
Mas uma pergunta me faz mudar de ideia.

No meio a todo esse caos.
Onde está Alice?
É loucura pensar em pular dessa porta. Mas também é loucura pensar em tudo que acabou de acontecer.

Para minha sorte ou para meu azar, conheço um argumento que destroça todos os outros.
Eu enlouqueceria pela vida de Alice.

Temo me arrepender do que farei, mas respiro fundo e pulo da porta direto para a fria água.

Alice E ElesOnde histórias criam vida. Descubra agora