Os sons gritantes de trovões e água tempestuosa são cessados como quando acordo de um sonho.
Minha visão turva e confusa precisa de tempo até encontrar o foco. Estou seco e minha cabeça dói como se uma barra de ferro estivesse sendo quebrada nela toda vez que meu coração pulsa. Isso é bom.
Estou feliz por meu coração continuar batendo, e as vezes precisamos sentir dor para lembrar-mos que estamos vivos.Consigo recobrar o foco em minha visão, ao que parece, eu estou em um carro um pouco antigo, ele está em movimento, o que as vezes me causa um pouco de vertigem.
Olho pela janela e vejo as ruas escuras dessa cidade, não sentirei falta desse lugar.
As casas normalmente tem grama e tudo que ilumina o verde das gramas e as linhas amarelas das ruas é a luz pálida que vem dos postes.Ainda não me dei conta do que estou fazendo nesse carro, com certeza não é uma ambulância.
-Ah, então ele acordou... - Diz o homem dirigindo o carro, pelas roupas e ela barba, parece um lenhador.
-Então, foi você o idiota que atropelou Alice e eu?
-Ei, vai com calma, eu nem sabia que vocês foram atropelados, deveria me agradecer por estar levando vocês ao hospital. Sabia que a cidade está sem sinal desde a meia noite? Nada de ambulância pra vocês...
-Eu sei. Por isso tentei levar Alice até o hospital em meus braços, não consegui ligar para a emergência, é o que chamam de tempestade perfeita, não é?
-Ela passou mal antes de ser atropelada?
-Sim...
Olho para o lado contrário à janela e vejo Valentina desacordada no banco. Checo sua respiração, ela está viva, e eu espero que continue assim. A ideia de perdê-la é angustiante.
É confortável aqui dentro, me sinto seguro, quente, viajar a noite sempre me ajudou a espairecer, organizar meus pensamentos, destruí-los, ou procrastina-los.
A circunstância atual não é a mais convidativa que já experienciei, mas é melhor que correr com alguém quase morrendo em seus braços.Me pergunto por quanto tempo fiquei desacordado, pego meu celular e ligo sua tela, porém a luz é tão forte que meus olhos se turvam dolorosamente e eu só consigo desligá-lo e me conformar com hipóteses.
Olho navamente pela janela e enfim vejo o hospital ficando cada vez mais próximo. Sem perceber um sorriso torto se forma em minha face.
-Bom, chegamos, a viagem custou... - Conclui o possível lenhador. Eu olho pra ele confuso e o mesmo começa a rir. - Tá bom, dessa vez foi de graça.
Eu sorrio falsamente e abro a porta para pegar Alice, sinto o sangue pesando para chegar até meu cérebro e isso faz com que eu sinta uma tontura temporária, ele também desce do carro e me ajuda.
-Precisa de mim para levá-la até a entrada? - Pergunta ele.
-Não, eu dou conta. - Como alguém pergunta para um rapaz que acabou de acordar de um desmaio se deseja ajuda? É claro que eu preciso de ajuda, eu fui atropelado, mas não me pergunte o que me levou a negá-la nesse momento.
Após agradecer a ajuda, me dirijo até a porta do hospital, parece o refeitório de um posto de gasolina porém com mais vidros e mais luz.
Me aproximo da porta e um enfermeiro me ajuda a colocar Alice em uma maca. Quando me dou conta, estou conversando com uma enfermeira no corredor do hospital, não tem muitos enfermos necessitado ajuda nessa madrugada, seja por falta do serviço de emergência ou por minha sorte.
-Qual o nome dela? Me mostre os documentos. Ela tem plano de saúde?
-Alice. Alice é o nome dela.
-Onde estão os documentos?
-Não sei onde estão.
-Qual o sobrenome dela? Afinal, você é o que dela? Irmão, namorado...
-Não eu, eu não sou nada dela.
-Nada? Então viu ela sendo atropelada e resolveu ajudar?
-Não, eu quis dizer, sou amigo da Alice, eu estava na casa dela e tentei trazer ela aqui, ela não foi só atropelada, tem muito mais.
-Garoto, me explica, o que aconteceu com ela?
-Ela ingeriu alguns remédios fortes, muitos, muitos deles. E quando desmaiou eu tentei trazer ela aqui, mas aconteceu o que aconteceu, nós fomos atropelados.
-Quais remédios ela consumiu, qual dose exatamente?
-Eu não sei, mas foi muito, como, uma cartela de cada.
-Entendi. - Ela percebe minha aflição e tenta me tranquilizar. - Ei garoto, ela vai ficar bem, não é a primeira vez que pessoas nessa situação vêm aqui.
Eu sorrio, mas continuo preocupado.
A enfermeira sai com pressa da minha frente, eu me sento em um banco de espera, acho que é tudo.
Me examino, eu estou um trapo, digno de um atropelamento.
Meus cotovelos ardem, minha cabeça dói, minha visão se embaralha involuntariamente, minhas roupas estão sujas, eu estou um trapo.
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Alice E Eles
Mystery / ThrillerAs noites são sempre solitárias, pois a solidão é mera consequência das trevas, a frieza causa rigidez em nossos músculos e nos faz tremer, não só por fora. Alice poderia se proteger do frio com uma coberta naquela noite entrevada e solitária, mas s...