Capítulo 4 | Interrogatório

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            Descobrir, era esse seu dever

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Descobrir, era esse seu dever. Não estava certa do quê, mas saberia quando encontrasse.

Sem chegar a lugar algum, rodas giravam ininterruptamente. Vez ou outra cenários distintos eclodiam pelos espelhos retrovisores, tornando-se sua única solitária companhia. Sentia-se atada ao nada; presa às limitações de um círculo onde não era capaz de identificar o princípio por onde deveria começar, tampouco o fim para onde pretendia caminhar.

Indicador, médio, anelar. Nesta sequência seus dedos tamborilavam sobre o volante, enquanto para longe divagava sua mente. Ao súbito suscitar de uma ideia, uma curva brusca cortou as ruas de São Paulo e enfim a viagem cujo propósito era organizar a turbulência dos pensamentos, ganhou um destino.

Camuflada pelos vidros escuros do automóvel, delegada Mazza alimentou seu impulso e se propôs a clarear as ideias. Um forte instinto passou a incomodar seu peito após a cena de Rara D'Ovant que assistiu na capela. Faltava algo. Pensou ser a famigerada doçura, que muito se confundia com vulnerabilidade, tão característica daquela mulher. Faltava também a dor da perda, que infortunadamente a delegada conhecia muito bem. Havia apenas setas enormes apontadas para a viúva, e a certeza de que algo nela não era como deveria ser.

Era Rara o foco, e logicamente, por ela deveria começar. No entanto, lógica nunca foi um dos mais poderosos guias de Heloise quando em ação. Como uma profissional sensitiva, não titubeava em apostar todas as suas fichas em seu faro certeiro e seu olhar sobre-humano. Conhecê-la seria seu primeiro passo, mas nunca diretamente. A experiência com seres humanos ensinou que conhece-se de uma pessoa somente aquilo que ela se predispõe a mostrar, e que a melhor forma de conhecer alguém verdadeiramente é por meio das pessoas que a cercam.

É pelas beiradas que se atinge o núcleo.

Esgotando seu banco de desculpas esfarrapadas, Helo se despediu de Marina pelo celular, crente de que havia sido convincente o suficiente para não despertar o sexto sentido da noiva. Bastava uma ligação e Mari descobriria que sua companheira não estava no ateliê fazendo ajustes no vestido para o grande dia. Embora se sentisse desconfortável por mentir sobre seu real paradeiro, calmaria lhe preenchia ao lembrar-se que não estava prestes a se casar com uma stalker maluca, e que Marina estava longe de começar a investigar para descobrir que, na verdade, a parceira estava de tocaia em frente ao Palácio dos Bandeirantes.

Mazza assistiu atentamente a cada movimentação que surgiu ao seu redor. Conforme previu, em menos de uma hora após o horário estipulado para o fim do enterro, o carro que carregava Rara D'Ovant adentrou os portões do Palácio. Com um binóculos sobre os olhos, a delegada acompanhou a decida da viúva do carro e sua caminhada até que o interior dos muros lhe acolhesse e suas ondas negras sumissem de seu campo de visão.

Todos se foram. Os carros da imprensa, e até mesmos os da segurança. O silêncio e a falta de movimentação faziam parecer que ela contemplava a uma pintura, até que as portas da residência voltaram a se abrir, e de lá de dentro alguém saiu. Heloise se ajeitou no banco e usou os binóculos mais uma vez. Um homem descia o degraus do Palácio. Um homem uniformizado que carregava um quepe e um molho de chave em mãos. Não demorou a ser reconhecido como o motorista da família. Buscando em mente qualquer informação que poderia ter sobre aquele homem, Mazza lembrou-se da maneira prestativa com que ele ofereceu um copo d'água para acalmar a senhora D'Ovant quando Caetano foi encontrado. Lembrou-se de tê-lo visto no hospital e também no velório.

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