Primeira parte

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Levanto da cama, jogo uma água na cara e escovo os dentes. Na cabeça, um boné; na mente, a vontade de faturar uma grana.
Um gole de café em frente à imagem de São Jorge, rogo axé e peço proteção.
Pulo na moto, pego a peça. Seis balas no tambor e três no bolso. Hoje é dia.
Desço a favela, que, ainda, se mantém em silêncio, vejo os "menó" com blusa de escola, cara amassada e sem vontade alguma de ir.
Lembro do meu passado. Dois anos só de estudos, separados por uma tragédia: ver meu pai, drogado, matar e deformar a minha mãe, depois de desconfiar de uma traição. Depois disso, meu futuro foi só viver em um orfanato. Pular o muro da instituição, nunca foi uma opção.
Ou era agredido todos os dias pelos "educadores", ou tentava viver nessa selva aqui fora.
Na rua, dormi no relento, cheirei cola, mas, não era por onda nem tampouco pra passar tempo. Era pra ludibriar a fome e o desejo de ser quem eu era, quem eu fui criado para ser: um pivete, que roubava bolsas de velhinhas desatentas, e agredia, com faca ou navalha, quem ousasse reagir.
Vida que segue!
Me levantei!
Aprendi a arte do roubo com os parceiros de rua. Puxei cadeia quatro anos.
Vi o inferno lá dentro.
Não quero mais voltar.
Mas, não sei como viver, aqui fora, decentemente. Não vejo como conseguir dinheiro, se não for roubando celular, carteira, relógio, carro, moto...
Morte?
Já me acostumei, tanto dos parceiros, que se foram, quanto aquelas pelas minhas mãos.
Gosto, sempre, de pensar que tirei vidas, para continuar vivendo.
Seguindo na "minha moto", vou buscando vítimas para fazer dinheiro. Tenho um canto em particular, sem policiamento, sem câmeras e com muitas saídas. Caso dê errado, meto a fuga.
Lá está um cara com uma menininha.
Já vou chegar, colocando terror nesse bucha:
- PERDEU, PERDEU, PERDEU...
ENCOSTA, VIADO!
PODE IR PASSANDO O CELULAR E O DINHEIRO!
(...)
NÃO TEM É O CARALHO!
VOU ENFIAR UMA BALA NA TUA CARA E, DEPOIS, VOU ENFIAR OUTRA NA MENINA, SEU FILHA DA PUTA!
Dei um tapão na cara do safado, que eu vi até a expressão dele. Quase chorou. É uma bichona "mermu"...
(...)
NÃO CHORA, NÃO! VAI CHORAR NA FRENTE DA SUA FILHA?
(...)
SÓ TEM O CELULAR, DE VALOR?
AH, NÃO! SUA FILHA VAI FICAR SEM PAI.
ESSA É PRA VOCÊ APRENDER A NÃO BRINCAR COM LADRÃO, SEU VIADO!
(...)
Porra, fiquei puto!
O ódio tomou conta de mim e eu só pensava em acabar com aquele cuzão.
O cara não tinha dinheiro. Disse que só tinha um cartão de passagem.
Ah, vá tomar no cu!
Que assalto sujo! Puxei logo o gatilho.
A pirralha parecia não está nervosa, vendo o pai tomando um "apavorô" logo pela manhã.
Dois disparos e pronto.
Feito!
Depois disso, não lembro mais o que aconteceu...

Adilio Roza

OlharesOnde histórias criam vida. Descubra agora