Terceira parte

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Meu nome é Anderson, mas, sou conhecido como Souza, cabo Souza.
Sou policial militar e tenho muitas histórias dentro desses 14 anos de farda.
Em uma delas e, talvez, a mais comovente, por ironia do destino, eu não estava fardado.
Já passava da 6 da manhã e meu plantão noturno havia acabado. Me dirigi até o batalhão, onde passei o serviço para os meus companheiros.
Retirei todo o aparato, mas, não me desfiz da minha arma.
Antes de sair do batalhão, ainda no vestiário, agradeci ao meu pai Ogum por mais uma noite de proteção.
Entrei no carro e antes de bater a porta, o meu celular tocou.
- Oi, amor, bom dia! Como foi no trabalho?
Minha esposa, Vanessa, sempre, me ligava todo final de plantão, para me desejar um ótimo retorno. Isso me fazia transbordar de alegria.
- Oi, meu docinho! Foi tudo ótimo. Estou saindo agora daqui. Como está o Nicolas?
Nicolas é o anjo da minha vida. Meu filho, que nasceu com paralisia cerebral e necessita de atenção especial.
- Tá bem, ele dormiu a noite toda.
Venha com Deus!
Ligo na rádio, para saber como o trânsito está na cidade, e sigo o meu caminho.
Logo pela manhã, ouço buzinas; pessoas falando todo e qualquer tipo de palavrão; vejo um menino de rua jogado, abandonado debaixo de uma marquise; vejo um idoso com dificuldades para atravessar onde não há nem faixas nem sinal; vejo o marido gritando com a esposa. E só posso fazer isso: ver.
Já chegando perto de casa, lembro que preciso comprar pão. Minha esposa ama pão fresquinho logo pela manhã. "Branquinho e sem casca", ela, sempre, diz.
Ao ligar a seta para a direita, olho no retrovisor e vejo uma atividade anormal: um rapaz em uma moto, fazendo gestos agitados.
Da minha posição, eu não tenho visão completa do que está acontecendo, mas, meu treinamento militar diz que algo, ali, não está certo. Então, estaciono o carro e pego minha arma.
Caminho, sem que me notem. E ao me aproximar, percebo que há um assalto em andamento.
Leio a cena: duas vítimas, arma próximo ao rosto da vítima adulta e uma criança, que está protegida atrás das pernas desta vítima.
O meliante está alterado.
Meu coração dispara. A adrenalina sobe. Saco a arma, mas, tenho que buscar uma melhor posição, para não errar o disparo.
- NÃO TEM É O CARALHO!
VOU ENFIAR UMA BALA NA TUA CARA E, DEPOIS, VOU ENFIAR OUTRA NA CARA DA MENINA, SEU FILHO DA PUTA!
Em seguida, o assaltante desferiu um soco na vítima. Ainda não era hora de agir. O meu campo de visão, ainda, não era seguro para as vítimas (caso eu falhe o tiro).
Ouço o desespero da vítima, clamando por calma. Ele entrega o celular.
- NÃO CHORA, NÃO! VAI CHORAR NA FRENTE DA SUA FILHA?
Imediatamente, meu filho veio na minha mente.
- SÓ TEM O CELULAR, DE VALOR?
AH, NÃO! SUA FILHA VAI FICAR SEM PAI.
ESSA É PRA VOCÊ APRENDER A NÃO BRINCAR COM LADRÃO, SEU VIADO!
Mais uma vez, ele clamou por sua vida, enquanto protegia a inocente criança:
- Calma, eu não tenho dinheiro! Estou indo para a creche.
Tentava explicar, de alguma forma, o rapaz em desespero.
"É agora!", pensei eu.
Efetuei o primeiro disparo, que pegou certeiro na cabeça. O boné foi arrancado com o impacto. O segundo disparou pegou no peito, fazendo o assaltante cair.
Corri até as vítimas. Quando eu cheguei próximo, toquei ele, a vítima, que, ainda, estava de olhos fechados, segurando a criança para trás.
- Ei, você está bem? Está ferido? - perguntei.
Ao abrir os olhos, ele viu o bandido caído no chão e paralisou.
Eu peguei a criança no colo e a retirei daquele cenário fúnebre.
Segundos depois, o rapaz veio caminhando lentamente e, então, eu o entreguei a criança.
- Você quem deu os tiros? - ele me perguntou, ainda, nervoso e com os lábios esbranquiçados.
- Sim, meu nome é Anderson e sou policial militar. Eu vi que você corria risco de vida e tive que agir.
- Eu não sei como agradecer...
- Não precisa agradecer. Só fiz o meu papel. Eu já pedi uma viatura e uma ambulância, caso você precise. Ela é sua filha? - perguntei, a fim de desviar o pensamento do rapaz. E ele se acalmar.
- Não. Digo... é. Ele se chama Renan, é meu filho.
- Ah, tá, desculpa! Eu pensei...
- Não precisa se desculpar. Todos acham que ele é ela (risos).
A ambulância chegou e fez a remoção do bandido. A viatura, também, chegou. Cumprimentei meus amigos e os contei o que havia acontecido.
Rafael foi conduzido para a delegacia, onde deu o seu depoimento. Depois de algumas semanas, criamos uma amizade.
Renan conheceu o meu filho Nicolas e, então, se iniciou uma amizade, onde só se reconhece quando se ver o sorriso do meu filho ao ouvir a voz do Renan.
Vanessa tinha uma colega, dona de uma escola, que ofereceu um emprego de zelador para o Rafael e uma bolsa para Renan estudar.
Hoje, somos todos uma só família.
Aos domingos, fazemos churrasco e conversamos sobre futebol, enquanto nossas esposas falam de roupas, filho, comida...
No hospital, o bandido, que foi alvejado, está em coma e respira com a ajuda de aparelhos.

Adilio Roza

OlharesOnde histórias criam vida. Descubra agora