Olhares

Sexta parte

- Irmãos, hoje eu acordei e ouvi a voz de Deus!
E a voz do Pai me dizia para que eu partilhasse o testemunho da minha vida com vocês, a história que hoje eu vou contar pode destruir a imagem do homem que eu sou, mas também pode edificar vidas que se encontram nas trevas, amém?
E o coro respondeu:
- Amém!
- Meu nome é Ubiratan, mas vocês me conhecem como pastor Bira, não se enganem, não fui sempre esse homem de voz mansa e pensamentos espirituais... Já cometi muitos pecados!
Dando uma pausa proposital, o pastor Bira continua logo após alguns sussurros.
- Ontem eu estava na minha casa, e sentado no sofá fui ver o jornal. Gosto de saber o que tem acontecido no Brasil e no mundo.
Andando de um lado para o outro, usando uma pequena toalha em uma das mãos, o pastor transpirava como nunca dentro do seu terno, hora ou outra ele dava pausas, bebia da água que estava ali em uma jarra de vidro e com um copo ao lado sobre uma bancadinha de madeira.
- Então irmãos eu assisti uma cena que mexeu comigo.
Sabem do que eu estou falando?
Alguém aqui viu?
A cara de dúvidas no rosto da assembleia era nítido, então, Ubiratan visivelmente abalado, respirou fundo e tomou coragem para dar enfim o seu testemunho de vida.
- Ontem eu assisti uma cena de uma assalto.
A imagem não era muito boa, parece que foi gravada de um celular, mas dá pra ver nitidamente tudo.
Alguém aqui assistiu?
Do lado esquerdo uma senhora rapidamente ergueu os braços, forçando as vistas o pastor a reconheceu.
- A senhora viu dona Marlene?
Dona Marlene movimentou os lábios, mas devido a distância o pastor não a ouviu.
Em seguida um rapaz também ergueu os braços, era Miguel, um rosto que o pastor não via dentro da igreja a muito tempo.
- Pra quem não viu, era um rapaz iniciando um assalto quando um policial apaisana atirou nele, mas não vamos entrar nesse assunto agora, ok!?
Fiquem com essa lembrança na cabeça.
Na nossa vida, temos um tempo que eu chamo de tempo de viver o inferno na terra, e eu passei esse tempo, todos nós passamos.
E novamente respirando fundo o pastor Bira surpreendeu a todos com uma notícia que nem a sua esposa e os seus filhos tinham conhecimento.
- Eu tive uma mulher e também tive um filho, mas dominado pelo demônio e vivendo no inferno eu a matei por ciúmes!
Nesse instante a igreja esperava um outro complemento no início da narrativa do pastor, esperavam uma metáfora que pudesse por fim nas palavras que o homem destino e tão querido na sua igreja acabava de pronunciar.
Mas de cabeça baixa e com as lágrimas caindo dos seus olhos, mostrava aos poucos que não havia metáfora no testemunho de Ubiratan.
- Eu a matei!
Meses depois, fui pego vendendo drogas e fui preso, tráfico de drogas e assassinato!
Dentro da cadeia eu descobri o Deus que eu sirvo hoje.
O silêncio era bucólico dentro da igreja, a família de Ubiratan olhava para ele sem acreditar.
- Paguei a minha pena, saí de lá um outro homem e decidi ir atrás do meu filho, meu único filho até então.
Não o encontrei!
Anos procurando e nada.
Ontem ao ver o tele jornal, no final da reportagem foi dito o nome do rapaz baleado.
Era ele, era o meu filho!
Chorando ainda mais, o pastor buscava forças para poder terminar de contar uma parte da sua história de vida.
- Sabe qual é o meu maior arrependimento igreja?
É nunca ter tido a oportunidade de me redimir, eu sei, eu tenho certeza que ele entrou na vida do crime porque lá no passado ele não teve pai, e o quando pensava sobre o seu pai, a única lembrança era o seu pai, matando a sua mãe.
Eu sou o culpado!
Povo de Deus, eu não sei como eu vou ser visto por vocês nesse momento, eu não sei se vou merecer o respeito e o carinho que me deram até os dias de hoje, mas de uma coisa eu sei, eu não minto mais, eu não vivo na sombra da mentira, eu não estou do lado do diabo e agora mais do que nunca eu vou lutar para ganhar o céu!
Depois de expor a sua vida, depois de deixar uma ferida enorme exposta o pastor andou até o púlpito e descansou o microfone, caminhou para um local ao lado do altar e ouviu uma palma muito tímida começando, ele olhou rapidamente, era Miguel, seguido de dona Marlene que por fim toda igreja o aplaudia, seus filhos choravam e sua esposa mostrava no rosto o orgulho e a coragem que ele teve de sair de um mundo do hipocrisia e mostrar para todos o quanto ele errou e estava disposto a mudar.
Chorando pela emoção e pelo luto de perder o seu filho o pastor Bira agradeceu a Deus e orou.

Adilio Roza