Segunda parte

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Segunda parte

- Renan, acorda, meu filho! Está na hora.

Meu nome é Rafael, tenho 33 anos e sou pai do Renan, de apenas 3 anos.
Estou desempregado há 7 meses. Minha esposa, Carolina, está sustentando a casa com o emprego de caixa, em um supermercado.
Todos os dias, eu acordo cedo, arrumo o Renan e deixo ele na creche. Em seguida, vou andar por aí, colocando currículos e rezando, para que o meus guias me abram as portas do emprego.
Depois de dar banho e café ao Renan, penteio os seus cabelos longos e bem cacheados.
- Meu filho é lindo!
Às vezes, acho que o leiteiro passou por aqui.

Antes de fechar a porta, coloco o meu cordão de São Jorge, o meu santo protetor e, em meio às minhas orações, peço, sempre, paz e proteção.
Desço as escadas e antes de chegar no último degrau, como um ritual, tenho que pegar meu filho, que vai saltar nos meus braços. Ele sorri e com a cara inchada de sono, eu ganho um fôlego dentro do meu espírito.
Caminhamos pela rua e Renan pede colo. Ele avistou um cachorro. E como tem medo, pediu, com voz de choro, um colo protetor. Eu, que penso, sempre, em educar para o futuro, me abaixo na altura dos seus olhos e digo:
- Você não precisa ter medo do cachorro. Eu estou aqui e nada de ruim vai acontecer. E se acontecer, eu vou te proteger.

- Chute no "auau", pai?

- Se ele vier morder, o pai dá um chute no "auau". - sorrindo, eu respondi.

Passamos bem do lado do vira lata, que nem abanou o rabo. Estava mais preocupado em se aquecer no sol da manhã.

- Olhe para um lado e olhe para o outro. - eu repetia todas as vezes, antes de atravessar as ruas.

E quando ia chegando do outro lado da pista, eu ouvi:

- PERDEU, PERDEU, PERDEU...
ENCOSTA, VIADO!
PODE IR PASSANDO O CELULAR E O DINHEIRO.

- Calma, eu não tenho dinheiro! Estou indo para a creche.

- NÃO TEM É O CARALHO!
VOU ENFIAR UMA BALA NA TUA CARA E, DEPOIS, VOU ENFIAR OUTRA NA CARA DA MENINA, SEU FILHO DA PUTA!

Depois de ouvir a ameaça e ver quanto ódio saia dos olhos daquele cara, joguei o Renan pra trás das minhas pernas, e quando virei o rosto, fui surpreendido com uma porrada na cara, que pegou próximo dos olhos e me fez lacrimejar.

- Calma, não precisa me bater, não.

Eu gritava com uma arma na cara. Uma mão, defendendo o rosto e a outra, segurando meu filho atrás de mim. Lembro que a expressão do Renan era tranquila.
As minhas lágrima caíam, eu só tinha o meu celular e um cartão de passagem de valor para oferecer. E foi, exatamente, isso que eu dei.

- NÃO CHORA, NÃO! VAI CHORAR NA FRENTE DA SUA FILHA?

- Não me mate por favor!

SÓ TEM O CELULAR, DE VALOR?
AH, NÃO! SUA FILHA VAI FICAR SEM PAI.
ESSA É PRA VOCÊ APRENDER A NÃO BRINCAR COM LADRÃO, SEU VIADO!

Eu clamei por minha vida e tentava, de alguma forma, me preparar para o disparo.
Não sei como, mas, eu percebi que aquele cara já havia matado outras pessoas e que seria capaz de pôr fim à minha vida facilmente.

Antes de fechar os olhos, eu vi a expressão do assaltante mudando, como se fizesse força para puxar o gatilho. Então, eu ouvi dois disparos.

Adilio Roza

OlharesOnde histórias criam vida. Descubra agora