Oitava parte

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- Camila, você viu a minha blusa?

- An?

- Acorda Camila, estou atrasado de novo!

- Samuel meu amor, sua blusa está no sofá, onde você deixou ontem antes de arrancar a minha roupa.

Enrolada no lençol, Camila sensualizava com os cabelos esgranhados, enquanto Samuel só pensava em qual desculpa iria dar.

Com a cara amassada e a barba cheia de fios de cabelo de Camila, Samuel corria afim de amenizar o seu terceiro atraso na semana.

No seu celular, 16 ligações não atendidas.

- Dessa vez eu me dei mal!
Pensava ele enquanto cortava os carros ultrapassando o limite de velocidade. No espelho interno do carro o seu pequeno terço sacudia devido aos solavancos, no para-brisa traseiro a mensagem:
EU AMO A DEUS E A MINHA FAMÍLIA!

Estacionando o seu carro, Samuel corre até o seu armário e veste o macacão.

- Samuel!
Uma voz feminina, porém autoritária se faz escutar de uma sala no fim do corredor.

- Sim, dona Vânia!
De cabeça baixa, o atrasado funcionários sabia que estava vacilando.

- Creio que não existe desculpas, se houver, por favor me conte.

- Olha dona Vânia, eu...

- CHEGA SAMUEL!
Você está pensando que isso aqui é o que?
É a última vez que eu aturo a sua irresponsabilidade, vá para o seu setor e renda sua companheira de trabalho que dobrou a noite e aguardou a sua chegada para poder ir descansar.

Sem dizer uma palavra, Samuel um homem de porte atlético, moreno e completamente sem responsabilidade, seguiu até o seu setor.

- Rafa...

- Nem vem com esse Rafa!
Cara, você tem noção de como eu trabalhei essa noite?
Eu só queria deitar na minha cama e dormir, mas agora, vou pegar um engarrafamento daqueles e te xingar mentalmente durante a viagem.

- Foi mal Rafa.

- Tchau Samuel!

- Ela ficou chateada Antônio.

- Também pudera né?
Todo plantão você faz isso cara.

E tentando argumentar com o seu motorista, Samuel ouviu a porta bater com força e muita raiva.

- É, ela está com raiva!
Disse o inconsequente Samuel.

Vou organizar o material enquanto não temos nenhuma chama...

- Atenção, homem baleado em uma tentativa de assalto...
Dizia a voz no rádio.

- Você e sua boca grande né Samuel?!
- 765, estamos perto vamos atender essa solicitação!
Sorrindo, Antônio subiu na ambulância e confirmou o atendimento enquanto Samuel desistia de colocar os materiais descartáveis em recipientes organizadamente.

- ...Repetindo, homem baleado no tórax e no crânio.

- Quer apostar que vai estar em Óbito?
Dizia Antônio com o ar de deboche.

- Que isso Tonhão?!
Não pode pensar assim não cara, é uma vida!
Deus opera milagres.

- Você tá de sacanagem Samuel?
Logo você falando de Deus?
Argumentava Antônio quase que gritando enquanto a sirene da ambulância berrava.

- Não estou te entendo cara!
O que você quer dizer com isso?

- Nada não Samuca, nada não.

- Olha, você me respeita cara!
Eu sou um homem de princípios, tenho temor a Deus e sigo a palavra, comungo todo os domingos e ainda sou catequista todas as quintas.

- Mas isso não quer dizer nada Samuel!
Afirmava Antônio.

- Como assim?
Você quer dizer que me tornar um homem de bem, não quer dizer nada pra você?

- Não, isso não tem nada haver com o seu catolicismo, isso tem haver com o seu caráter.

- Entendi, você está magoado com os meus atrasos?

- Não!
Isso tem haver com...
Há, deixa pra lá!

- Deixa pra lá não, agora você vai ter que me dizer!

- Samuel, chegamos!
Depois conversamos sobre isso.

Ao chegar, Samuel fez a primeira leitura do local.

- Um cidadão ferido no chão, uma viatura policial e uma aglomeração que já estava se formando.

Antônio manobrou a ambulância enquanto Samuel já estava ao lado do baleado verificando Sinais vitais.

- Tem pulso!
Disse Samuel ao ver Antônio calçando as luvas e caminhando em sua direção, rapidamente  Antônio buscou a maca enquanto Samuel fazia todo o procedimento inicial para não perder o paciente.

- O tiro na cabeça pegou de raspão?
Perguntou Antônio.

- Parece que sim, ele perdeu muito sangue!

- 1,2,3!
E tomando o impulso, levaram o paciente até a ambulância e novamente com a sirene alarmado, cortaram as ruas até chegar no hospital mais próximo.

- O que temos?
Perguntou o médico agarrado na maca levando rapidamente o paciente até a mesa de cirurgia.

- Homem negro, com perfuração a balas, no tórax e na face.
A pressão está estabilizada e o pulso está ficando fraco a cada minuto.

- Tudo bem, deixa comigo!
E levando o paciente, o médico encerrou ali o contato de Samuel e a sua primeira chamada do dia.

- Meu pai, eu sei que tu és o Deus do impossível, salve esse homem!

Não deixe sua vida ser ceifada meu pai!

Oh virgem Santíssima, interceda junto a Jesus Cristo por esse homem!

Mentalmente, Samuel fazia a sua oração enquanto caminhava de volta para a ambulância.

- Ei cara, você está bem?
Perguntou Antônio ao ver os passos lentos de Samuel.

- Sim, é que eu ainda não me acostumei com essa louca e linda profissão.

- Ei, vá beber uma água!
Aconselhou Antônio, acreditando que assim, Samuel iria voltar a si.

- Tomar água é uma ova, pode me explicar aquele papo torto dentro da ambulância.

Mudando completamente o tom da fala Samuel insiste em retomar a conversa.

- Não, deixa isso pra lá a vida é sua e faz dela o que bem entender...
Antes que Samuel pudesse insistir mais um pouco, o seu telefone tocou.

- Oi amor!
Com a fala macia e melosa Samuel atendeu.

- Oi amor?
Samuel, você tem noção de quantas vezes eu te liguei essa noite?
Você tem noção de quantas vezes o seu filho perguntou por você na hora de jantar e você não dava sinal de vida?

- Aline, eu sinto muito meu bombom, eu precisei dobrar no trabalho.

- E por que você não me ligou?
Por que não avisou?
Eu não dormi essa noite preocupada com você seu peste!

- Calma meu chocolate, eu estou bem e mais tarde nós vamos sair, eu você e o Artur.

- Nada de atrasos e nada de desculpas em Samuel!

- Tchau, meu amor.
Te amo!

E desligando o telefone, Samuel repara a expressão e o gesto de Antônio.

Sombrancelha levemente erguida, braços cruzados e uma expressão de " Viu? Você vive uma vida de hipocrisia."

Totalmente sem jeito, Samuel leva o celular até o bolso do macacão e não insiste em falar mais sobre o tal assunto.

Adilio Roza

OlharesOnde histórias criam vida. Descubra agora