Une Session - La Balançoire

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"Every night in my dreams, I see you, I feel you. That's how I know you go on."
- My Heart Will go on, Céline Dion


Eu morava em um condomínio. Daquele tipo, em que todas as casas são iguais e onde todos se conhecem. Daquele tipo em que várias pessoas entravam e saíam, mas a maioria continuava isolada em seu próprio mundo. Do tipo em que todo mundo se emprestava açúcar, mas ninguém sabia dos sofrimentos do outro. Enfim, do tipo em que há tudo na vizinhança, incluindo um pequeno parquinho, bem à frente da minha janela.

Suspirei quando a cafeteira apitou, indicando mais um café pronto. Eu não costumava beber muito café, mas em dias frios como esse, parecia não haver alternativa.

Debrucei-me na janela aberta até o canto, em seu 3° andar, sem me preocupar com o vasto vento frio que percorria meus braços desprovidos de agasalho. O sol se escondia timidamente atrás das densas nuvens que prendiam preguiçosamente os flocos de neve. Já havia passado da hora da primeira geada cair.

Solvi lentamente o primeiro gole do café, sentindo seu gosto meio amargo preencher-me a garganta. Meu olhar se fixou no parquinho abandonado, analisando os brinquedos que vez ou outra deixavam transparecer vago movimento. Meus olhos deslizaram até a fileira de balanços, e tive de cerrar o olhar para ter certeza de que não estava vendo coisas. Era uma garota, balançando-se sem pressa, quase como se curtisse o vento frio, com aquele parco casaco por cima de uma blusa simples e uma calça. Ela parecia cansada, perdida, ao mesmo tempo em que o movimento ritmado de seus pés dando impulso no chão parecia envolver-se em magia e esperança. Seus cabelos negros esvoaçavam livremente, sem sequer uma touca para proteger-se do vento frio. Suas pequenas mãozinhas desnudas envolviam fracamente a corrente indelicada, como se quisesse cair e ao mesmo tempo, como se fosse a coisa mais segura do mundo.

Ela, com toda a certeza, não é daqui. Posso dizer orgulhosamente que conheço todos os moradores em uma raio de cinco quilômetros, e ela definitivamente não era dali. Nem parecia ter se mudado, uma vez que as idosas fofoqueiras não haviam falado nada sobre uma nova moradora, e nem as garotas da minha idade, que pareciam sempre atentas ao menor sinal de concorrência. Saboreio lentamente mais um gole desleixado, observando a garota, que ainda continuava do mesmo modo. O café já estava gelado, assim como meu rosto, mas não dei muita importância. Ela provavelmente estava com mais frio do que eu. Cogitei a possibilidade de descer e lhe fazer companhia, mas algo no inclinar solitário de seu belo corpo me convenceu de que ela não queria companhia. Não naquele dia.

Assisti curiosamente o momento em que ela se pôs de pé, ajeitando a alça da pequena bolsinha no ombro. Apenas pôs-se a andar em linha reta, parecendo conhecer todo o caminho. Suspirei, fechando os olhos por um momento enquanto virava o último gole de café. Quando abri os olhos no momento seguinte, ela já não estava em parte alguma.

Apesar de tudo, não esperava ver sua presença misteriosa outra vez, do mesmo jeito, no dia seguinte. Fiquei com preguiça de fazer outro café, então apenas me debrucei na janela, convencido de que naquele dia, eu veria para onde ela fora. Não me dei o trabalho de observar se ela queria companhia ou não, então apenas desci lentamente as escadas, ansioso para vê-la mais de perto.

Assim que meus pés pisaram na areia fofa do parquinho, os olhos da garota misteriosa deslizaram até os meus. Havia curiosidade naquele olhar, como se nunca houvesse visto um humano. O que, na verdade, era altamente desprovido de razão. Eram lindos olhos cor de esmeralda. Me lembravam folhas de árvore balançando ao vento. Seu rosto era delicado, em um formato que não consegui distinguir sendo oriental ou ocidental. Os lábios pequenos e não tão cheiros eram cor de rosa, como uma manta de bebê recém-nascida.

Havia outro balanço ao seu lado, mas para um primeiro encontro, pensei estar sendo invasivo demais. Apenas me sentei no banco, onde normalmente os pais sentavam para vigiar suas crias. Seus olhos ainda estavam presos em mim, com algum tipo de mistério velado.

- Annyeong. - murmurei, quando o silêncio já havia juntado-se ao frio, tornando-se também insuportável. - Você não está com frio?

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