Quatrième Session - Train de Rêve

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"Um livro é um grande cemitério onde, sobre a maioria dos túmulos, não se podem mais ler os nomes apagados."

 O tempo reencontrado, Marcel Proust.


    Quando o trem apita e seu barulho característico revolve os trilhos cheios de histórias, recosto-me na cadeira, sentindo o vento golpear-me o rosto. A moça à minha frente parecia extremamente concentrada no que escrevia, levantando o rosto vez ou outra para apreciar a paisagem.

    Passamos por uma vila e o cheiro de feira e solidariedade rouba minha atenção. Franceses são pessoas maravilhosas, quando se trata de fazer pão. Meu fone azul tocava Céline Dion, ninando-me com seus acordes bem definidos.

    A garota espirrou brevemente, chamando minha atenção mais uma vez. Só então pude contemplar sua singela feição, adornada por um lindo cabelo azul, como o meu.

    - Pardon – sussurrou, ao notar meu olhar sobre si. Passou a mão por entre os fios azulados, dando-lhes contrastes diferentes – Não quis te incomodar.

    Pisquei brevemente, tentando absorver toda a delicadeza que fluía da garota à minha frente. Parecia que ela havia sido moldada singelamente por um anjo com mãos de fada.

    - Não incomodou – murmurei, com um sorriso aberto. Ela pareceu ficar ainda mais tímida com minha súbita mudança de comportamento – Aliás, essa paisagem não é magnífica?

    Passávamos por um campo de girassóis. Milhares de milhares de belas flores amarelas, cercadas pelos campos verdes e montanhas cobertas com a neve mais recente. O sol cintilava em cada pétala, iluminando as pequenas gotas restantes do orvalho, que escorriam lentamente.

    - É belo... – murmurou, apoiando o cotovelo na mesa entre nós, enquanto o sol iluminava-lhe o rosto, dando aos seus olhos castanhos um tom mais claro – Eu estava escrevendo sobre isso.

    - Ah, então você escreve? – pergunto animadamente, mesmo sabendo a resposta. Ela apenas ri, deslizando o olhar até o meu.

     - Bem... Algumas coisas, mas é só um hobby, então nunca vou ser boa nisso.

    - Prefiro pensar que a prática leva à perfeição – contraponho, erguendo a sobrancelha – E se me permite observar, percebi que seu caderno está cheio de anotações incompletas. Você deve ser ótima no que faz.

    Ela abaixou a cabeça, com seus fios azulados cobrindo-lhe o rosto. Não parecia muito familiarizada com elogios. Seus olhos me encaravam por entre as madeixas espaçadas, parecendo perder-se em algum ponto que não consegui definir.

    - E você? O que você gosta de... Fazer? – murmurou, e sua voz me deu o perfeito vislumbre de um lago límpido e de água fresca, com peixes coloridos e neve derretendo por entre a neve ao seu redor.

    - Eu gosto de fotografar. E pintar. Quer dizer, acho que prefiro fotografar. É lindo como você pode guardar algo tão incrível. Você vê algo, e guarda.

    - Eu não gosto muito de fotos... – ela mordeu o lábio, parecendo pensar no que dizer em seguida – Prefiro pensar que as imagens mais preciosas são as que eu guardo no meu coração.

    Rio junto a ela, enquanto uma brisa suave entra pela janela, brincando com nossos cabelos.

     - Por que você pintou seu cabelo de azul? – perguntei, assim que o silêncio se sentou quietamente ao nosso lado.

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