Deuxième Session - Si Elle Était Réelle

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"A voz que eu sinto saudades até nos meus sonhos
Eu chamo pelo nome mas não há resposta
Apenas os ecos cheios de lágrimas retornam
E eu escuto esse som sozinha"
       - Dear Name, IU



      Suspiro cansado, enquanto tentava me concentrar em apenas admirar a vista nada convencional de Daegu. Em algum ponto de vista, Incheon me parecia mil vezes melhor, apesar de eu nunca ter visitado-a. Mas isso era fácil. Era apenas deixar minha mente vagar sem rumo, para que um personagem não-familiar viesse saudar-me cortesmente, entregar-me uma carta sem remetente e mandar-me virar agente do FBI, vistoriando um caso na tal cidade.

     Travo a mandíbula, quando o querer rir de mim mesmo falha miseravelmente e a realidade desliza suavemente seus dedos gélidos por minha espinha dorsal.

      Não era brincadeira. Nunca foi.

       - Tatae! – ouço a voz familiar acariciar meu nome e fecho os olhos, com medo do que viria em seguida. Ela era minha melhor amiga, minha pior inimiga. Era a garota que segurava meu coração com uma mão e uma adaga com a outra. – Você ainda está aqui, hum?

     Ela senta-se no banco ao meu lado, fixando os prateados olhos sinceros em mim. Um sorriso brinca com seus delicados lábios, e o vento veste-se com suas curtas madeixas cor de ébano. Ela era perfeita.

      - Oi – murmuro, desviando levemente o olhar do seu. Ela estava vestindo um esvoaçante vestido branco, que combinava perfeitamente com sua pele, que fora beijada pelo sol. Tudo nela era perfeito.

      Ela inclina a cabeça, ajeitando os óculos de hastes finas e redondas em seu nariz,bcom sua delicada mão, decorada com suas unhas sempre pintadas de uma única cor: a naturalidade.

      - O que aconteceu, Tatae? – murmurou, aproximando-se de mim. Seu joelho roça o meu, e fecho os olhos ao lembrar o quanto tudo aquilo doía.

    Porque nada era brincadeira. Nada daquilo era. Ela, principalmente.

      - Nada aconteceu, Bela – murmuro, e seu olhar inquiridor paira sobre mim com uma acusação reprimida. Ensaio um riso, esperando ver o mesmo sair por entre seus lábios. Mas isso não acontece – De verdade. Eu te juro.

      Ela suspira, aproximando-se ainda um pouco mais, enquanto apoia levemente os cotovelos em minha coxa.

       - Eu odeio não poder te ajudar. – resmunga, analisando meu rosto com seu olhar atento. – O que eu posso fazer?

      Suma. Fique comigo. Nunca mais apareça na minha frente, mas... Segure minha mão, e não a solte nunca mais. Me abrace, e tome meus lábios entre os seus, por favor. É a única coisa que eu te peço.

       - Receio que nada – murmuro, levando a mão até seu delicado rosto. Ela fecha os olhos quando minhas digitais percorrem a linha definida de seu maxilar – Não se preocupe.

     Era esquizofrenia paranoica. Eu via coisas que não existiam. E eu sabia disso. Eu sabia que eu era anormal. Mas ela continuava ali, comigo. Mesmo não estando, ela estava. Seus olhos não me enojavam, e seus lábios não proferiam palavras depreciativas. Eu só queria que ela fosse embora.

       - Tatae! – Gritou ela, e meu olhar se voltou para seu pequeno corpo, já sentado no galho da árvore ao meu lado. Ela me olhava sorridente, e aquele sorriso juntou minhas preocupações ao vento, e os levou para longe. – Você quer subir aqui comigo?




  
     Nada era brincadeira. Não podia ser. Não era.

    Eu murmurava essas palavras para mim mesmo, enquanto um por um, os remédios iam me descendo garganta adentro, arranhando-a sem dó, e prolongando a dor até que eu a sentisse na alma, reabrindo todas as outras feridas, feitas por pessoas reais.

    Porque Ela apenas curava. Ela era a minha cura, a minha salvação. Meu poço sem fundo, meu abismo.

     Não era. Ela não era. Nada era.

     Quando a pequena gota bateu no conjunto aquoso em meu copo, apenas fechei os olhos. Estava cansado de enxugar as lágrimas que de qualquer forma, ninguém ia ver. Apesar de que eu queria que Ela visse. Queria que ela viesse até mim e me aninhasse em seu colo.

       A cada vez que ela ia embora, meu peito respirava aliviado, com a esperança de não vê-la nunca mais. A cada vez que ela virava a esquina, meu coração gritava seu nome. Ele a queria, tudo a queria. Tudo necessitava de sua presença para se manter bem.

      Eu já não sabia quem era ou não real. Eu via coisas que simplesmente não existiam. Minha mente é um universo paralelo. Esquizofrenia paranoica. Diferente de todos. Anormal. E ainda pior, diferente da maioria dos esquizofrênicos: ninguém me perseguia, ninguém implantava  Chips em minha pele para vigiar meus movimentos.

     Eu criava pessoas para cuidar de mim. E ela, com seu charme espontâneo, cuida de mim. Cuida do meu coração. Por isso... Ela é perfeita demais pra existir. E eu sou burro demais, para querer que ela exista desesperadamente, um pouco mais a cada dia.

      Quando eu sai de casa, naquela manhã, era início do Outono. Minha estação favorita. Sorri levemente, dispensando o uso de agasalhos quando meus pés pisaram porta afora, e pude admirar a extensa vista aos meus pés.
 
     Eu morava em uma colina. Minha mãe disse que assim, seria mais difícil machucar os outros.

     Peguei o regador, sempre presente em uma das estantes de madeira perto da estufa. Enchi-o com água, sentindo a cabeça rodar e a visão ficar turva. E as gotas de água ganhavam vida, subindo pelo meu braço, adentrando nos poros de minha pele com pretensões fatais.

     Balanço a cabeça rapidamente, largando o regador e me afastando da pia.

    - Não é real. Não é real – murmuro para mim, enquanto minha respiração se descontrola e minhas mãos se afundam em meu cabelo, tentando tirar aquilo da minha cabeça. Mas não saía, não saía nunca. E as gotas continuavam deslizando pelos meus braços, furando a pele sem piedade. – Não é real.

      Começo a tremer involuntariamente, e me agacho quando as vozes de meus pais me atacam de todos os lados. Você vai machucar as pessoas com essa babaquice. Cresça, garoto. Doente. Anormal. Paranoico.  Doente, doente, doente...

      - Tae, calma – ouço sua voz outra vez. Seus passos se aproximam e ela se agacha ao meu lado. Mas ainda não é real. Não pode ser real. – Calma!

    Seus braços envolvem meu corpo, enquanto sinto as batidas do meu próprio coração reverberarem por entre meus ossos. E as gotas, rasgando veias, destroçando artérias.

      - Bela – soluço, escondendo-me em seu peito – Elas estão aqui. Elas... Elas estão dentro de mim. Me ajuda, Bela. Faça isso parar.

      - Shhh – ela murmura, acariciando minhas madeixas, enquanto seus lábios colam-se à minha testa – Não é real. Calma, meu amor. Já vai passar.

    Arquejo quando o ar me falta nos pulmões, abraçando seu corpo com todo o desespero que me fluía da alma. Era naqueles momentos em que ela parecia real. Mas ela não era. Nada era brincadeira.

      - Eu estou aqui, meu amor – ela murmurava repetidas vezes, ecoando juntos aos sons guturais dos soluços ensanguentados – Eu estou aqui.

      - Você está... – murmuro fracamente, antes de meu corpo se render ao cansaço da minha alma.


                               



     Quando acordei, senti ela estava ao meu lado mesmo sem abrir os olhos. Senti suas mãos tirarem o pano que jazia em minha testa e ouvi-a molhá-lo na bacia de água, no criado-mudo ao lado da cama. Ela ajeitou o pano em minha testa novamente, e só então abri os olhos.

    Seu olhar brilhou ao ver o meu. Senti meu coração disparar quando ela sorriu, deitando-se sobre mim em um abraço desajeitado. Seus braços apertavam meu tronco, e eu podia ouvir com clareza seu coração bater fortemente junto ao meu.

    Deslizei meu braço por sua cintura, feliz por sua presença surreal. Suspirei pesadamente, olhando em volta. Eu estava no meu quarto.

      - Você me trouxe para cá sozinha? – murmuro, vendo-a levantar a cabeça e me encarar carinhosamente, com os olhos marejados.

       - Sim. Não foi tão difícil. Eu sabia que você não se sentiria tão confortável com a ajuda de outras pessoas – sussurrou, afagando-me as madeixas.

      - Me perdoa, Bela – sussurro de volta, sentindo meus olhos se encherem junto aos dela – Me perdoa por ser anormal.

      Ela me encarou com aquele olhar que eu tanto amava, que eu tanto detestava. Não com pena, parecia apenas que sua alma sofria junto à minha.

    Mas eu não queria que ela sofresse. Ela tinha que ir embora.

       - Não deveria falar isso de si mesmo, Tatae – ela murmura. Nada era brincadeira. Nada era, nada era, nada era – Olha pra mim.

      - Você tem que ir embora – solucei, sem conseguir olhar em seus olhos cheios de razão. Ela já havia me salvado tantas vezes... Era hora de salvá-la também, de um perigo chamado eu. – Tem que ir ser feliz.

      Ela sorriu, como se eu fosse uma criança necessitando de carinho. Suas mãos ainda acariciavam meu cabelo, dando-me a estranha sensação de proteção.

       - Eu sou feliz, Tatae – afirmou, com seu riso insólito preenchendo o ambiente. Desejei, por um momento, que sua alegria inquebrantável me preenchesse também. – Se você soubesse o quanto eu amo você, não me mandaria ir embora.

       Meus olhos deslizaram até os seus suavemente, sem pressa. O fraco coração que já não posso chamar de meu martelava com todo o vigor que conseguira reunir. Ela disse que me ama.

       É a primeira vez que ouço algo assim.

   Essa palavra, tão vaga e perdida foi soterrada embaixo de várias outras mais reais, mais presentes. Mas agora, Bela trazia tudo a tona, com sua delicadeza pacífica. Ela me amava, mesmo que eu fosse doente. Mesmo que eu fosse anormal.

       Eu já começara a sofrer por antecipação. Nada era brincadeira, nada-nada-nada. Mas e se aquilo fosse? A linda miragem que criei para mim disse que me amava. E quando ela fosse embora, como o vento? E quando seus belos olhos calmantes desaparecessem, levando o pequeno resto de vivacidade que ainda restava em mim?
      
      Mas ela entrelaçou a mão na minha. Ela me olhou nos olhos. Ela sorriu para mim. Ela me segurou todas as vezes que eu quase caíra. E agora revelava que cairia junto a mim, se preciso fosse.

     Ela tirou o pano incômodo da  minha testa, jogando-o na bacia. Pus minha mão em sua nuca, puxando-a para mim até que sua testa beijasse a minha. Senti seus pelos se arrepiarem levemente, quando minhas digitais emaranharam-se em suas madeixas.

     Sorri levemente, ao pensar em quanto tudo era lindo. O “nós” que eu havia criado era perfeito, como ela. Suas reações a mim, e as reações que ela me fazia sentir eram indescritíveis. Incríveis.

     Porque nada era brincadeira. Mas, se era para estar em seus braços, mesmo que invisíveis à outras pessoas, valia a pena. Tudo se tornava a mais bela brincadeira. Por mais que fosse só um sonho, eu não queria acordar. Fosse ou não fosse brincadeira... Era Bela. Sempre foi ela.

    A paz.

      - Eu também te amo, Bela – murmuro, apertando-a um pouco mais contra mim. Ela sorriu ternamente, e eu apenas quis que ela sorrisse para mim pra sempre.

      - Bela... Você é real? – sussurro, temendo a resposta. Temendo que ela desaparecesse e nunca mais voltasse, como tanto almejei. Ela era perfeita demais pra ser real.

       - Eu sou, Tatae. – murmurou de volta, sorrindo contra minha pele.

      Porque se ela era uma brincadeira, eu brincaria sem cansar. Se fosse um abismo, eu cairia de braços abertos.

       Tudo era brincadeira, e nada ao mesmo tempo. Nada fazia sentido, nada era real. Mas nossos sentimentos se cruzavam, embaralhando-se em uma valsa invisível.

     E era isso que importava... Se ela fosse real.

    N/A: E aí, Bela é real ou não?

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