Sporadique Session - C'est Sa Journée

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Apenas porque hoje é o dia mundial de Apreciação da Jane...🌺💖

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Os dias tediosos parecem ainda mais insípidos se encarados pela janela que dá para o céu azul. O sentimento de desespero por não poder tocar aquele céu ou ao menos viver embaixo dele como antigamente é um castigo, assim como a obrigação de ter que ficar em casa. Muito obrigada a quem quer que tenha planejado esse ano dessa forma: você queimou os meus planos e sapateou em cima das cinzas deles.

E esses dias tediosos que só incluem dormir, acordar e mexer no notebook com uma grande xícara de café bem doce só parecem, em determinado momento, fazer efeito sobre mim. Ainda ouço o alvoroço nos outros apartamentos, e me pergunto se é porque há crianças por ali. Infelizmente ou não, é um condomínio predominantemente familiar e até onde eu saiba, há apenas mais um solteirão sozinho no meu andar, e ele mora bem ao lado.

E por mais ridículo que pareça, sua suposta solidão só me deixa mais revoltada com a vida, com o ano, com o isolamento e com os dias tediosos, porque ao contrário de mim, pobre coitada sem chance de remissão, o solteirão sozinho da porta ao lado vive contentemente dia após dia, instigando meus instintos de idosa mal-humorada e me levando a ranger os dentes sempre que ele varre a casa cantando radiantemente ou toma banho como se estivesse num show no maior estádio do mundo. Não sei o que leva os jovens de hoje em dia a se prenderem tanto ao conceito de carpe diem, mas se eu quisesse a resposta, com certeza bateria na porta do solteirão sozinho e feliz.

Suspiro ruidosamente quando me dou conta de que o café solúvel acabou e o toddynho também, o que significa que mais uma visita ao supermercado se faz necessária. Não faz nem um mês que fui lá pela última vez, sinceramente. Resmungo um pouco mais e futuco a despensa até encontrar o potinho de cappuccino que eu sabia que estava ali em algum lugar. Minha salvação momentânea.

Eu nunca gostei muito de sair de casa, mas a necessidade de ficar nela me fez querer acordar cinco horas da manhã e ficar na rua até amanhecer outra vez. Agora, mais de três meses depois do primeiro choro por saudades do escritório, o efeito estava começando a ser reverso. Se é pra ficar em casa, fiquemos então, fiquemos e não saiamos, fiquemos e morramos aqui mesmo, com uma caneca de café bem doce em uma mão e o celular na outra.

Me pergunto se o solteirão sozinho e feliz da porta ao lado também gostaria de compartilhar um cafezinho pré-morte. Ele provavelmente devia estar no mesmo estágio, já que suas saídas semanais meses atrás se compactaram em apenas uma por mês, e isso quando ele não fazia as compras pela internet.

E aqui chegamos ao detalhe importante: fazer compras online é muito normal. Pedir comida também é, mas por que quando era pra ele, parecia uma brincadeira? Vou explicar: quando uma pessoa normal compra alguma coisa, essa coisa chega até a sua porta e você puxa ela pra dentro. Mas quando o solteirão sozinho e feliz compra alguma coisa, meu amigo, parece que o circo veio fazer tour pelo prédio. Primeiro que o entregador ou quem quer que seja tem que bater palmas. E em um ritmo único, que se repetiu todas as vezes que alguém chegou. TA-DA-TA-TA-TUM-TUM, como um código morse para crianças. Depois do batuque todo na porta do inquilino, seus chinelos se arrastam até a porta e ele pergunta "Quem é?", e os entregadores sempre respondem de formas extremamente ridículas. Tão ridículas que me dão dor de cabeça de crise existencial forçada e eu tenho que tomar mais algumas canecas de café bem doce. "A sua querida pizza"ou "O espanador novo" ou ainda "Eu sou a Nutellinha que o senhor pediu".

A minha sanidade já estava em cheque antes disso, mas agora eu tenho certeza de que eu preciso de algumas visitas ao psiquiatra e talvez algumas semanas internada em um hospício. Se ele era mesmo um solteirão sozinho E feliz na minha idade, o que o fazia rir das entregas e murmurar "Aprovado!" com a voz mais divertida do mundo?! E se eu sou mesma uma solteirona sozinha e idosa de alma, por que é que eu estou frequentemente com o ouvido encostado à porta, como se não tivesse nada melhor pra fazer da vida?

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